Folha de S. Paulo


Como a insegurança e a vaidade matam o bom senso nas empresas

Na semana passada, almocei com um sujeito que costumava ser um dos executivos bancários mais importantes do Reino Unido. O problema dos negócios hoje, ele se queixou no café, é que não existe mais senso comum. Ele insistiu em que senso comum sempre foi bem incomum - mas que agora está extinto.

No mundo dos bancos, ele parece ter razão. A complexidade praticamente destruiu o pouco senso comum que costumava existir, e a regulamentação tornou ilegal a porção dele que restava. Tente entender o balanço na qual de qualquer banco. É impossível. Até mesmo os executivos bancários que montam esses números admitem o fato. Pior ainda, tente entender o critério de Solvência II.

Se alguém que estiver lendo a coluna compreende plenamente as ferozes vicissitudes dessas novas normas de capitalização para seguradoras, gostaria que essa pessoa entrasse em contato comigo.

Mas e os outros setores? O senso comum desapareceu deles, igualmente?

Quando eu estava pensando nisso, a mais recente edição da "Harvard Business Review" chegou à minha mesa, e ao abri-la ao acaso encontrei um artigo cujo título era "administrando o conhecimento essencial para sua missão.

Como identificar, mapear e alavancar alguns dos ativos mais estratégicos de sua companhia". O artigo trata de maneira tão absurda uma ideia perfeitamente sensata –a de que as companhias deveriam determinar exatamente o que sabem– que desafio qualquer pessoa a lê-lo até o fim.

O motivo para que o senso comum seja abandonado desse jeito é a insegurança. A maioria das pessoas no mundo dos negócios vive com medo de ser exposta por falta de conhecimento, e soar inteligente parece ser uma aposta melhor do que ser compreendido.

Quando mais e mais pessoas tentam parecer inteligentes ao mesmo tempo, o padrão de complicação sobe, e não demora muito para que pessoas antes sensatas comecem a dizer completas asneiras.

Na semana passada, li uma entrevista com um executivo importante da Amazon na qual ele explicava o segredo de seu sucesso nas contratações: "A pessoa que ergue a barra também deve conduzir o briefing de saída depois de cada loop de contratação".

O próximo inimigo do senso comum é ser pomposo, o que nas últimas duas décadas cresceu em proporção semelhante à dos salários dos executivos. Na semana passada, Jamie Dimon disse solenemente a Martia Bartiromo, da Fox Business, que "o JPMorgan é a melhor coisa que posso fazer pelo país e pela humanidade" –o que é ainda mais bizarro do que Lloyd Blankfein dizer que o Goldman Sachs faz "o trabalho de Deus", já essa última declaração pelo menos podia ser entendida como irônica.

Ser pomposo faz com que um executivo ou homem de negócios ignore o que realmente está acontecendo, não só no trabalho como em casa. No LinkedIn, um dia desses, um antigo vice-presidente de operações do eBay se vangloriou que era um homem tão ocupado que comprou uma casa sem nem olhá-la direito, e que uma vez sua mulher o visitou no escritório para levar uma muda de roupas de baixo, depois que ele virou a noite trabalhando.

Uma criança de cinco anos poderia ter lhe dito que isso não é maneira de viver, e que se você for apanhado sem cuecas limpas ou terminar comprando uma casa sem olhar direito para ela, o melhor é não falar a respeito.

Mas a fraqueza humana não é a única coisa a destruir o senso comum; a máquina empresarial também o faz. Departamentos como os recursos humanos e relações públicas rotineiramente eliminam quaisquer traços remanescentes de sanidade, enquanto rivalidades entre setores, verbas e regulamentações de qualquer espécie tendem a garantir que pouca coisa seja feita de modo sensato.

Quando a Broadcasting House, a sede que a BBC construiu por um bilhão de libras, foi inaugurada, surgiu o decreto que não haveria cestos de lixo nas mesas dos jornalistas, e que o lixo deveria ser depositado em "polos de reciclagem" bem longe das mesas. O resultado foi que o lixo foi se acumulando nas mesas e o edifício novo terminou infestado de ratos.

E quando essa deliciosa notícia trivial se espalhou, isso serviu de incentivo para que alguém das relações públicas divulgasse uma declaração repleta de pompa e pretensão: "Como é prática comum em qualquer grande organização, a BBC tem um contrato em vigor com uma companhia especializada em controle de pragas, e medidas adicionais estão sendo tomadas para deter os roedores"...

A única maneira de salvaguardar o senso comum nos negócios é exercitar o próprio e se tornar empreendedor. Dois meses atrás, fui jurada em um concurso para novos negócios. Um dos vencedores instalava estações de recarga para carros elétricos; outro havia desenvolvido uma espécie de Netflix para revistas. As duas ideias eram boas, os planos de negócios idem e os fundadores falaram lucidamente sobre o que estão fazendo.

Não sei se terão ou não sucesso. Mas sei que, se o fizerem, seu bom senso estará sob ataque.

Como prova de que empresas criadas com grande espírito empreendedor enlouquecem um pouquinho assim que começa a lhes sobrar algum dinheiro, o editor chefe da revista "Wired" recentemente enviou um e-mail a todos os funcionários decretando que os novos escritórios da companhia em San Francisco deveriam estar sempre imaculados, e determinando que objetos pessoais era admissível ter sobre as mesas.

O e-mail era ilustrado por uma foto do editor sentado no que parecia ser uma célula acolchoada, fúcsia, com um cachorro sob cada braço. "A 'Wired' não é mais um navio pirata", ele disse ao seu pessoal.

E essa é a triste verdade da vida empresarial. Quando os piratas abordam um grande navio de cruzeiro, bem pode ser que descubram que o bom senso ficou abandonado no modesto barco de que vieram.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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