Folha de S. Paulo


Opinião: Para avaliar elogio a patrão de partida, é preciso esperar hora certa

Em 1990, eu estava no "Financial Times" há relativamente pouco tempo e o editor geral se demitiu de seu cargo; ele sempre havia sido gentil para comigo, e fiquei triste por vê-lo partir. Mas eu também era muito inexperiente na profissão, e tinha o devido horror de parecer puxa saco. Fiquei imaginando se devia lhe escrever uma carta de despedida. Ou isso seria inapropriado?

Por fim, decidi não escrever, mas apenas porque havia perdido tanto tempo hesitando sobre o assunto que deixei escapar o momento. Para uma jornalista, um atraso de diversas semanas em reagir a uma notícia certamente não pareceria bom.

De lá para cá, o mundo se acelerou, de modo que qualquer resposta acontece não em semanas, mas em minutos. E agora existe a mídia social: já não dirigimos nossas palavras de despedida à pessoa em questão, mas a todo mundo que disponha de uma conexão com a Internet. E o mais notável é que, em algum ponto do caminho, nossa aversão a sermos vistos como puxa sacos desapareceu. Agora puxar sacos não é mais uma atividade a ser empreendida com vergonha, em segredo, mas com orgulho e o maior alarde possível.

Quando Alan Rusbridger resignou como editor do "Guardian" na quarta-feira passada, a coisa logo se tornou um espetáculo exibido via Twitter. Menos de um minuto depois de surgir a notícia, já começaram os lamentos. Um ex-colega usou o Twitter para afirmar que "pouca gente na história do jornalismo teve a visão e o talento de @arusbridger –ou tocava piano tão bem. Um grande editor".

E logo mais e mais pessoas começaram a se manifestar. "O jornalismo britânico não será o mesmo sem @arusbridger. Se você acha que os tweets que está lendo são um exagero é porque nunca o viu trabalhar".
Acompanhei o processo com um sombrio fascínio, observando o fato de que alguns dos elogios recebiam agradecimento direto do homenageado, enquanto outros só mereciam silêncio.

Rusbridger, pelo que quase todo mundo diz, foi um excelente editor –e toca a Balada n° 1 de Chopin ao piano, além disso. Mas tweets são uma maneira vulgar de afirmá-lo, e não necessariamente servem para provar o ponto que pretendem. Mesmo na era anterior à Internet jamais houve um elo especialmente forte entre declarações elogiosas públicas vindas de partes interessadas e o verdadeiro valor de uma pessoa.

Quando o rei Lear decidiu que era hora de dividir seu reino, ele perguntou às suas filhas quanto cada uma delas o amava. "Sir, eu o amo mais do que palavras seriam capazes de fazer entender", respondeu Regan; Goneril imediatamente rebateu afirmando que amava o pai tanto quanto a irmã, mas ainda mais.

Não consegui evitar a lembrança das irmãs inimigas quando comecei a ler os tweets de duas das pessoas indicadas como mais prováveis sucessoras de Rusbridger. A primeira a declarar seu amor pelo chefe que estava de partida foi Janine Gibson: "Alan Rusbridger: um editor único em sua geração, o melhor dos chefes, ótimo em surpresas", ela escreveu no Twitter.

Sua rival pelo comando da redação, Katherine Viner, seguiu o exemplo com um elogio caloroso nos 140 caracteres ou menos que o Twitter oferece: "Alan Rusbridger –por 17 anos meu editor e inspiração, destemido, e sempre nos pressionando a sermos maiores, mais audazes e mais corajosos".

Felizmente, o "Guardian" conta com uma Cordélia em sua equipe, na forma de Patrick Wintour, o editor de política do jornal. "Alan Rusbridger deixará o posto de editor chefe do 'Guardian' na metade de 2015, para se tornar presidente do Scott Trust", afirmava seu tweet, mais comedido.

Na "Economist", o outro veículo britânico de mídia a ter perdido um editor na semana passada, os tweets da equipe foram mais discretos. Apenas algumas pessoas disseram que teriam saudade de seu chefe, e número ainda menor optou por elogios exagerados. "John Micklethwait, nosso notável editor na @TheEconomist vai se tornar editor chefe da Bloomberg. Sorte deles", um jornalista da "Economist" escreveu. Mas no geral os jornalistas da revista adotaram uma posição mais elegante, como a de Cordélia, e se limitaram a postar os fatos.

O que isso tem a nos dizer? Que Micklethwait não era bom editor? Ou que a "Economist" ainda consegue manter o decoro –mesmo nas redes sociais? Ou talvez existe uma explicação mais simples: não faz sentido puxar saco via Twitter, já que uma das coisas mais notáveis sobre o editor que está deixando a "Economist" é que ele conseguia exercer a função sem usar o Twitter, de vez.

Uma objeção ainda mais forte a elogios via Twitter é que o legado de alguém deve ser julgado em anos, e não em segundos.

Isso ficou claro para mim na semana passada, durante a venda natalina de livros do "Financial Times". Enquanto os colegas corriam atrás de pechinchas, percebi que um dos produtos ignorados era uma tristonha cópia de um livro escrito por um homem que recebeu mais aplausos instantâneos do que qualquer outra pessoa que eu recorde, ao deixar seu posto três anos atrás.

Na semana passada, ninguém estava interessado nas memórias em que Terry Leahy revela o quanto ele era genial como executivo, mesmo com 95% de desconto. Já que a Tesco está quase indo por água abaixo, em parte por conta do dúbio legado de Leahy, é evidente que a demanda por suas homilias sobre a importância da verdade, lealdade e coragem será baixa.

Mesmo o título "Gestão em 10 Palavras", agora parece um caso gritante de falsa propaganda. Na verdade, o livro trata de gestão em 312 páginas –e elas estão bem desacreditadas.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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