Folha de S. Paulo


Opinião: Por que ser passional quando você pode ser consciencioso?

Se você deseja encontrar sucesso no trabalho, há uma característica de que precisará acima de todas as demais. Não se trata de criatividade, ou inteligência emocional, ou facilidade no trato pessoal, ou experiência, ou julgamento, ou nem mesmo bons instintos.

É ser consciencioso.

Todos os estudos acadêmicos apontam para esse fato há décadas, sugerindo que, não importa que tipo de trabalho você faça, é isso que separa as pessoas que se saem bem das demais.

No entanto, agora surgiu a informação de que ser consciencioso é apenas o ponto de partida. Você também precisará de um marido ou mulher igualmente consciencioso.

De acordo com um estudo que será publicado em breve pela revista científica "Psychological Science", os traços de caráter da pessoa com quem você se casa têm influência sobre seu desempenho no trabalho - um vento favorável ou adverso emanado do cônjuge pode determinar se você é promovido e recebe um aumento, e se considerará ou não como toleráveis seus dias no escritório.

Pesquisadores da Universidade Washington, em St. Louis, passaram os últimos cinco anos pesquisando sobre casais - na maioria dos quais os dois integrantes trabalham fora -, e comparando o sucesso de cada dupla a cinco traços de personalidade distintos dos cônjuges - extroversão, abertura, cordialidade, neurose e conscienciosidade. E constataram que essa última qualidade tem efeito em larga medida positivo: as pessoas cujos cônjuges são conscienciosos simplesmente se saem melhor no trabalho.

Isso faz sentido por três motivos: primeiro, um cônjuge consciencioso terá mais facilidade em lembrar de que é preciso tirar o lixo e que haja algo para comer no jantar. Se você se casa com uma pessoa assim, não precisa se emaranhar demais nesse tipo de tarefa. Segundo, eles oferecem excelente exemplo. Se forem organizados, pontuais e diligentes - características antiquadas mas simplesmente maravilhosas que as pessoas conscienciosas invariavelmente exibem -, ajudarão os cônjuges a agir do mesmo modo. E terceiro, se você foi inteligente o bastante para se casar com alguém desse tipo, sua casa será uma máquina muito bem lubrificada, o que significa que você chegará ao trabalho muito menos estressado que os colegas que vêm de lares caóticos, onde as contas são esquecidas e as noites de convívio entre os pais e os filhos terminam deixadas de lado.

O relatório só faz aumentar a pilha de estudos que nos dizem que o mundo pertence aos conscienciosos. Os estudos apontam, por exemplo, que crianças conscienciosas se saem melhor, que os conscienciosos são mais felizes no trabalho, e até que eles vivem mais.

De certa forma, isso não surpreende, já que 90% do sucesso consiste de estar lá quando você deveria estar. As pessoas conscienciosas chegam na hora, usam fio dental, fazem o que se espera delas, são razoavelmente motivadas, boas em planejamento e se recusam a comer um marshmallow só porque ficaram com vontade. Isso as torna exatamente o tipo de pessoa que costuma vencer nas instituições gêmeas do trabalho e casamento.

Mas o surpreendente, dados os consideráveis atrativos de ser consciencioso, é que pouco nos vangloriemos disso. Não é algo que as pessoas costumem ostentar. Não é uma qualidade atraente, e certamente nada tem de sexy.

No LinkedIn britânico, apenas 92 mil dos 15 milhões de membros admitem ser conscienciosos. Em contraste, cerca de 12 milhões deles alegam ter boa capacidade no trato pessoal - o que quer que isso signifique - e outros sete milhões professam ser criativos. Isso prova algo que já sabemos: que as pessoas falam qualquer bobagem sobre elas mesmas em sites de empregos. Mas também prova que existem muitos trabalhadores conscienciosos por aí que se esforçam desnecessariamente para ocultar o fato.

Ainda mais surpreendente é que os empregadores não tenham praticamente interesse algum em contratar pessoas que fazem aquilo que deveriam fazer. De todos os empregos anunciados no site, apenas 200 mencionam conscienciosidade como algo que procuram - enquanto oito mil insistem em "paixão" como pré-requisito. Vi que a EY está à procura de um associado forense "apaixonado", e que o JPMorgan procura um executivo de fiscalização e controle igualmente "apaixonado" - quando deveriam, na verdade, estar procurando pessoas conscienciosas para as duas funções.

Tanto empregadores quanto candidatos estão envolvidos em um elaborado fingimento de que todos os empregos serão significativos e criativos, o que é tolice quando quase todo mundo sabe que esses postos envolvem rotina e ler pilhas e pilhas d e e-mails entediantes.

Quando o assunto é casamento, o processo de contratação envolve ainda menos esforço para identificar candidatos conscienciosos - o que representa risco ainda maior já que é muito mais fácil demitir uma pessoa do que se divorciar dela. Jamais ouvi alguém dizer que "me apaixonei pelo meu marido porque ele é consciencioso". E isso tampouco surge entre os assuntos dos sites de paquera na Internet. No site do jornal "Times", há uma longa lista de adjetivos sugeridos como descrição - que inclui "leal", "confiável", "selvagem" e "instável", mas não inclui "consciencioso".

O necessário é que alguém repagine essa qualidade. Não precisamos fingir que ela é atraente ou sexy; mas precisamos respeitá-la pelo valor que tem como algo que faz com que a vida e o trabalho transcorram com muito mais suavidade.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página: