Folha de S. Paulo


Opinião: Uma lição do jardim de infância sobre as bonificações dos executivos

Na semana passada, na loja free shop do aeroporto de Stansted, eu estava de bobeira experimentando óculos escuros e imaginando por que tantos deles tinham lentes do tamanho de um pires quando ouvi por acaso uma conversa no balcão, atrás de mim.

"Ele fez 35 pontos, de um máximo de 35, em inglês e matemática", uma mulher estava dizendo à vendedora. "Ele sabe que ganha uma recompensa quando tira boas notas. E isso está saindo caro - ele é tão inteligente que tira nota máxima todo ano".

"Uau, essa é uma recompensa bem grande", disse a vendedora, recebendo o pagamento da mulher por um relógio Gucci. O menino - ele não tinha mais de 10 anos - contemplava com uma expressão inescrutável o relógio que parecia enorme em seu braço magricela.

Assisti à cena com uma mistura complicada de inveja e desaprovação. Obter nota máxima em um exame é uma experiência desconhecida em minha casa. Será que o relógio era a causa?

Gosto de imaginar que não. Subornar crianças para que se saiam bem nas provas não só é ligeiramente repulsivo como, com certeza, inútil. Mesmo que a alegria do estudo em si não as motive, a esperança seria a de que tentem se sair bem ou para acompanhar os colegas ou porque percebem que fazê-lo serve aos seus interesses. Suborno não só é desnecessário como injusto - recompensar alguém só porque os dois sonetos de Shakespeare que ele por acaso decorou caíram na prova não é certo.

E se você tem diversos filhos, alguns dos quais se saem bem na escola aparentemente sem esforço enquanto outros batalham muito mas com muito menos efeito, por que só os primeiros deveriam receber relógios Gucci?

Mas a história do menino, do relógio e da mãe que sorria orgulhosa me levou a ter dúvidas. Meu sistema de motivação certamente não está funcionando tão bem assim: enquanto escrevo esta coluna, meu filho não está enfronhado nos livros para estudar para o seu exame de matemática, por mais que eu insista, dê broncas e ranja os dentes.

Já é um pouco tarde para mudar meu sistema, porque se trata do meu filho mais novo e seus exames estão quase concluídos - aleluia!

Mas a questão tem interesse mais amplo não só para as escolas como para os escritórios. Pagamento relacionado ao desempenho não difere muito de subornar um filho por bons resultados nas provas: nós subornamos os executivos que maximizam o valor para os acionistas da mesma forma que pagamos as crianças por notas A. E se o sistema não funciona para as crianças, qual é a chance de que funcione no caso dos executivos, mais velhos e mais complicados?

Depois de caçar material por algum tempo, descobri uma pesquisa que decide a questão. Um estudo da Universidade de Birmingham compilou os resultados de milhares de outros estudos, comparando dados sobre um milhão de crianças de famílias pobres. A conclusão foi a de que subornar as crianças para que se saiam bem na escola de fato funciona - mas só se for feito do jeito certo. O estudo constatou que pagar para que um aluno obtenha as notas mais altas em um exame era inútil, porque os estudantes em geral não fazem ideia de como atingir esse resultado. Em lugar disso, o suborno funcionava quando aplicado a coisas pequenas e especificas, como chegar na hora à escola, ler um livro ou fazer a lição de casa.

Em outras palavras, os subornos funcionavam quando não estavam relacionados a realizações, mas ao esforço. Isso bate com a visão da maioria dos pais e professores, segundo a qual recompensar o esforço incentiva uma criança a tentar com mais afinco, enquanto recompensar o desempenho faz com que ela sinta que não há sentido em tentar.

Ou seja, a mãe do aeroporto estava errada. Não era o relógio que levava o filho dela a tirar as notas mais altas. E ela pode ter problemas no ano que vem se o garoto tirar 34 em um exame cuja nota máxima seja 35.

O estudo também sugere que a forma pela qual pagamos bonificações aos executivos é incorreta. Não faz sentido pagar os presidentes de empresas pelos objetivos financeiros atingidos, porque atingi-los é mais complicado do que tirar A em um exame, dado o número de incógnitas.

Um recente artigo na revista "Inc", voltada aos empreendedores dos Estados Unidos, argumenta que a nova sabedoria da sala de aula deve ser estendida ao mercado de trabalho, e que elogios e bonificações devem ser distribuídos apenas com base no esforço. Os chefes não deveriam dizer "relatório brilhante, você é ótimo", mas sim "ótimo trabalho, posso ver que você dedicou muito tempo a isso".

Essa abordagem pode funcionar com funcionários de escalões muito baixos. Mas os funcionários com postos mais elevados na hierarquia nada têm em comum com crianças carentes. Recompensar executivos porque trabalham até tarde ou leem o material de instrução não parece muito correto, especialmente se levarmos em conta as dimensões de seus salários básicos.

E nas empresas, ao contrário dos jardins de infância, os resultados importam muito. Se eu tivesse ações de uma organização cujo preço está despencando, não seria conforto nenhum para mim saber que o presidente-executivo recebeu uma bonificação generosa porque está se esforçando muito.

A moral da história é exatamente o que eu suspeitava há muito tempo: executivos de primeiro escalão não precisam de incentivo algum. Qualquer pessoa com o pique necessário para chegar ao conselho de uma companhia já estará dotado de uma vontade superdimensionada de subir, e isso é muito mais forte que uma fábrica inteira de relógios Gucci.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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