Folha de S. Paulo


Opinião: Precisamos de novas desculpas para não responder e-mails

Na semana passada, recebi uma resposta automática de um homem com quem estava tentando fazer contato, segundo a qual ele estava "fora do escritório e com acesso limitado a e-mail". Ignorei a mensagem.

No mesmo dia, Adam Parker, diretor de pesquisa de ações do banco Morgan Stanley, nos Estados Unidos, recebeu mensagem semelhante, mas não a ignorou. Ele enviou um lamento a todos os seus clientes, explicando que o trabalho dele era interpretar o mundo em benefício deles, e que estava declarando abertamente que a desculpa do "acesso limitado a e-mail" era picaretagem. Não existe virtualmente ponto algum do planeta, ele apontou, em que uma pessoa não tenha acesso a e-mails. O que a resposta que ele recebeu na verdade queria dizer era "estou me sentindo cansado ou com preguiça, e acho que conquistei o direito de não responder".

Parker está certo - essa desculpa não funciona mais. Mas está errado ao desaprová-la com tamanha veemência. Todos nós temos dias de cansaço, ou preguiça, ou férias, ou em que nos sentimos por qualquer outro motivo desinclinados a fazer algo que pediram que fizéssemos. O que nos falta são desculpas melhores.

O problema é que a tecnologia vem gradualmente arruinando as velhas desculpas favoritas. Dizer que "o cheque está no correio" deixou de funcionar agora que não escrevemos mais cheques; e dizer que "o cachorro comeu minha lição de casa", uma desculpa frágil no melhor dos momentos, funciona ainda pior agora que a maior parte da lição de casa é feita online. "A caldeira explodiu e estou esperando o encanador" tampouco funciona, hoje, porque o laptop não explodiu e você pode trabalhar de casa.

Mesmo as novas desculpas criadas pela tecnologia estão começando a parecer esfarrapadas. "Sua mensagem deve ter ficado presa no filtro de spam" é uma mentirinha inofensiva que pode ser conveniente, e que eu já usei para escapar de diversas enrascadas, mas, porque os filtros de spam não param de melhorar, seu valor está diminuindo.

Assim, que desculpas ainda funcionam?

Uma das mais confiáveis é dizer que você está ocupado - e ela ainda tem o valor adicional de fazer com que você pareça ser uma pessoa importante. "Desculpe não ter respondido, mas fiquei sobrecarregada" - usei muito essa desculpa, mas estou tentando deixar de fazê-lo. Para começar, percebi que pessoas realmente importantes nunca dizem estar sobrecarregadas. Além disso, praticamente todo mundo acha que está ocupado demais (ainda que, como apontei em coluna recente, nenhum de nós seja tão ocupado quanto imagina). Alegar que está ocupado não sugere que você é importante, mas sim que você é ineficiente.

Uma segunda saída é invocar um compromisso anterior. Isso ocasionalmente funciona, mas pode sair pela culatra. Eu muitas vezes respondi coisas do tipo "infelizmente não vou ter tempo dia 27" para ouvir logo em seguida o interlocutor rebater que tudo bem, porque o evento foi transferido para o dia 29. E aí você não tem como escapar.

A melhor desculpa é alegar que está enfrentando uma emergência familiar. Ela funciona especialmente bem para homens, que ganham apreciação se usam ocasionalmente a desculpa da família. Mas alegar uma emergência quando não está acontecendo emergência alguma pareceria até à menos supersticiosa das pessoas como um convite para que a providência despeje alguma calamidade sobre a família inteirinha.

A mais grave das emergências familiares é, claro, a morte de alguém, e essa é a mais robusta das desculpas - final, definitiva e intocável pela tecnologia. Mas até ela está se tornando menos efetiva do que costumava ser no passado. Uma amiga, devastada pela dor por conta da morte de sua mãe, descobriu depois de duas semanas que o seu coringa já não estava funcionando tão bem. As pessoas esperam que retornemos à normalidade.

A melhor desculpa que encontrei recentemente foi a de um importante executivo que cancelou uma reunião com um colega alegando que "uma questão judicial apareceu". O gênio disso é que parece tanto sério quanto evita reação. Por mais que meu colega quisesse, ele não podia responder: "Nossa, mas que tipo de questão judicial? Um casozinho de fraude? Falência? Homicídio?"

Na ausência de questões judiciais em minha vida, cada vez mais busco refúgio na verdade. Assim, quando me perguntaram na semana passada se queria participar de um telejornal transmitido ao vivo às 22h30min, eu não fingi estar ocupada; respondi que a essa hora já estou dormindo. Quando convidada para uma cerimônia de premiação, respondi que esse tipo de evento não costuma me ver em minha melhor forma. Respostas diretas como essas são uma tripla vitória: você não se sente mal por ter contado uma mentirinha inócua, o interlocutor não tem como rebater, e a pessoa não voltará a convidá-lo para essas coisas.

O mesmo vale para respostas automáticas a e-mails. Não é preciso alegar que você está sem acesso ao e-mail. Ou você é o tipo de pessoa que o executivo do Morgan Stanley aprecia e trabalha nos feriados - e nesse caso você nem precisa de uma resposta automática de e-mail -, ou considera que feriados são feriados, e nesse caso a melhor resposta é dizer "volto dia X. Lerei sua mensagem ao retornar" - o que tem a astuciosa vantagem de nem mesmo prometer uma resposta.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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