Folha de S. Paulo


Opinião: Você acha que trabalha muito? Aposto que não trabalha

Na semana passada, preenchi um formulário que perguntava quantas horas eu trabalhava por semana. Fiquei olhando para o papel, indecisa. Era uma pergunta bem simples, e eu teoricamente deveria ser capaz de respondê-la de primeira.

Mas porque meu trabalho se espalha pela minha vida e porque não tenho mais certeza do que deve e não deve ser considerado como "trabalho", não faço ideia de como responder. Só posso dizer que trabalho bastante tempo. Mas já que "bastante tempo" não estava entre as opções de resposta, escrevi "45 horas".

Mais tarde, fiz a mesma pergunta a um grupo de conhecidos, entre os quais um advogado e um membro do conselho de uma empresa. Todos enrolaram um pouco para responder, mas terminaram por dizer que trabalhavam mais de 40 horas. Um jornalista respondeu "42", o membro do conselho disse "70" e o advogado disse "65".

Agora descobri que estávamos todos mentindo. Nenhum de nós trabalha nem de perto com o afinco que imaginamos. De acordo com estudos conduzidos nos Estados Unidos e em outros países, as pessoas costumam superestimar em pelo menos 10% o número de horas que trabalham - se você fizer uma comparação entre sua estimativa e o que seus registros diários revelam, os números não batem.

Isso não é nem tão surpreendente, em si. Somos todos reconhecidamente inúteis em estimar quanto tempo dedicamos a fazer o que quer que seja. Estudos de uso do tempo demonstram que superestimamos ferozmente o volume de trabalho que fazemos em casa e subestimamos o número de horas que dormimos - se você pergunta a uma insone quantas horas ela dormiu na noite passada, a resposta será "duas horas", mas a realidade é que ela dormiu quase cinco.

O que é incomum quanto às estimativas sobre o tempo de trabalho é que, quando mais uma pessoa trabalha, mais ela tende a superestimar as horas trabalhadas. As pessoas que trabalham 37 horas por semana estimam trabalhar 40; mas as pessoas que trabalham 50 horas semanais esticam seu cálculo em espantosas 25 horas e alegam trabalhar 75.

O motivo para isso, eu imaginei inicialmente, deve ser que, quanto mais tempo uma pessoa trabalha, mais dolorosa deve parecer cada hora adicional. Quando você já trabalhou 50 horas, a 51ª com certeza parecerá muito, muito longa. Mas isso não bate com o fato de que as pessoas que mais superestimam o tempo trabalhado são aquelas que mais motivo têm para gostar do que fazem.

Jonathan Gershuny, da Universidade de Oxford, e John Robinson, da Universidade de Maryland, realizaram um estudo que calcula as superestimativas de jornada de trabalho profissão por profissão.

Eles descobriram que as superestimativas dos advogados são maiores que as dos pesquisadores jurídicos; as dos médicos maiores que as dos enfermeiros. Os presidentes de empresas superestimam mais suas horas trabalhadas do que é o caso entre seus funcionários de meio período, os quais apresentam mais probabilidade de subestimar o tempo trabalho.

O professor Gershuny acredita que existam duas razões para isso. A primeira tem a ver com status. Quanto mais baixo for o seu degrau na pirâmide hierárquica, menor o valor que você atribui à sua contribuição. Se você é o presidente de uma empresa, confere tamanho valor ao seu trabalho que o volume de trabalho que realiza termina distorcido, em sua mente.

Mas há também o fato de que trabalhar é visto como uma honra. O valor de um homem no passado era medido pelo tempo que ele podia dedicar ao lazer, e logo abaixo disso pelo dinheiro que ele tivesse. Agora que se tornou mais difícil deixar dinheiro para os filhos, o seu legado é medido pelo seu "capital humano". E o melhor indicador quanto a isso é o afinco com que você trabalha.

Você poderia argumentar que pouca importa se dizemos trabalhar mais do que de fato fazemos. Se supusermos que o advogado não nos cobre com base em sua estimativa de horas trabalhadas, saber que não trabalhamos tanto quanto imaginamos deveria ser uma boa notícia.

Mas mesmo que a doença do trabalho excessivo esteja em parte apenas em nossas mentes, ela continua a importar porque influencia o nosso sentimento de estresse. Se acredito trabalhar 60 horas por semana, vou me sentir mais fatigada do que se imaginar que trabalho 40 horas.

O pior é que a ilusão dos trabalhadores machos sobre suas longas jornadas de trabalho têm efeito negativo sobre os demais de nós. Quanto mais eles alegam trabalhar sem parar, mais inadequadas fazem com que as demais pessoas se sintam.

Para fazer ideia melhor sobre o número de horas que trabalho, na semana passada decidi manter um diário - e desisti quase de imediato. Eu estava na banheira pensando nos argumentos que usaria nesta coluna. Era um banho ou eu deveria computar como trabalho? E quanto aos momentos em que eu estou no escritório mas estou mal e mal respondendo a algum e-mail de trabalho enquanto faço compras de supermercado online?

Por isso desisti do diário e decidi simplesmente revisar para menos o número de horas que digo trabalhar. Não são 45. Meu tempo de trabalho real, firme, provavelmente não chega à metade disso. Mas digo a mim mesma que tudo bem. O número de horas trabalhadas, afinal, bem pode ser o único indicador que temos sobre o volume de trabalho, mas é um dado bem frágil.

Um dos melhores escritores que conheço nunca dá a menor impressão externa de que esteja trabalhando. Acabei de mandar um e-mail perguntando a ele quantas horas trabalha por semana. Sua não foi motivo de alegria, do meu lado - ainda por motivos bem distintos: "Cinco, no máximo".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página: