Folha de S. Paulo


Opinião: Devo confessar um caso antes de uma auditoria de e-mails?

"Alguns anos atrás, tive um caso com uma cliente e usava meu e-mail do trabalho para me comunicar com ela. (Fiz besteira, já sei.) O caso acabou há muito tempo, e não acho que alguém tenha descoberto. Mas nossa companhia agora está sendo investigada por motivo completamente distinto e os investigadores estão vasculhando todos os e-mails daquele período.

Ainda que eu tenha apagado as mensagens (algumas das quais eram bem explícitas), temo que ainda existam cópias delas em algum lugar.

Devo alertar meus superiores, com os quais tenho ótimo relacionamento? Ou seria melhor fingir que nada aconteceu e cruzar os dedos?"

Executivo, 48.

*

O conselho de Lucy

Sim, você tem motivo para ter medo. O e-mail, como a herpes, dura para sempre. As mensagens embaraçosas enviadas à sua ex-amante ainda existem em algum lugar –mas o mesmo se aplica a todos os e-mails insensatos enviados por seus colegas.

Isso significa que existirá uma montanha de mensagens a serem lidas pelos desafortunados investigadores. É impossível que leiam todas, e mesmo que leiam as suas é altamente improvável que reportem o fato, porque o que estão procurando não é um caso de amor que ficou no passado, mas algo muito diferente.

Supondo que eles exibissem os e-mails aos seus superiores, e daí? Posso entender que sua mulher –se você é casado– se incomode com isso.

Mas não vejo por que os seus chefes ficariam muito incomodados –a não ser que o seu caso com a mulher em questão tenha prejudicado a empresa de alguma outra maneira. Se, por exemplo, ela era um dos mais importantes clientes da companhia e você se cansou dela, a dispensou e, como resultado, ela decidiu procurar outro fornecedor, a situação não pareceria boa para o seu lado. E se você comprou presentes para ela e permitiu que a companhia pagasse por eles, também não seria bom.

Lembra-se de Mark Hurd, da Hewlett-Packard, que abandonou seu posto como presidente-executivo depois que o relacionamento entre ele e uma prestadora de serviços à companhia foi exposto?

O que o derrubou não foi o relacionamento em si, mas violações do código ético da empresa que foram reveladas como parte de uma investigação interna.

Se você foi liberal demais no uso do seu cartão de crédito da empresa, é possível que termine apanhado, como ele foi, mas duvido. Uma diferença entre sua situação e a de Hurd é que ele já estava sob investigação. Você não está.

Por isso, creio que tudo ficará bem. E mesmo que não fique, não haveria vantagem para você em alertar seus chefes. O momento para uma confissão teria sido o período em que o caso estava em curso. Fazê-lo agora seria insano, porque deixaria claro que você não está confessando por um desejo de colocar as coisas em pratos limpos, mas simplesmente por medo de ser exposto.

Mantenha a cabeça baixa e os dedos cruzados: é sua única escolha. Conforte-se com a ideia de que você não estará sozinho. No mesmo momento em que você estava escrevendo suas repulsivas mensagens explícitas, havia um imenso número de outros tolos igualmente desatentos à ideia de que e-mails não são privados.

O conselho dos leitores

Buscas restritas

Meu trabalho é investigar delitos em empresas, o que rotineiramente envolve ler e-mails. Quem quer que esteja investigando seu caso terá milhares, talvez milhões, de e-mails a ler. As mensagens serão filtradas por meio de buscas estreitas, baseadas em termos de busca ou períodos específicos. Assim, há boa probabilidade de que suas cartas de amor não sejam reveladas.

Se forem, então, a menos que se relacionem ao assunto sob investigação, ou indiquem que você estava cometendo fraude (ou outro delito não sexual), os investigadores provavelmente as classificarão como irrelevantes e seguirão adiante. Eles certamente rirão muito do que lerem, mas é improvável que o denunciem.

Investigador, homem

Mensagens mais lúbricas

Não vejo motivo para alertar seu chefe. Presumivelmente o caso nada tem de relevante para o assunto sob investigação e estou certo de que os auditores não se incomodarão em nada com ele.

Se o caso terminar sendo levado à atenção de seus superiores, basta que você garanta a eles que o relacionamento acabou há muito; pode dormir tranquilo, e ter a certeza de que alguns
dos e-mails de seus colegas serão muito mais lúbricos e muito mais merecedores de atenção executiva do que as suas mensagens.

Funcionário público, 34

Exame minucioso

A resposta curta é "não", e a resposta mais completa seria "não, de jeito nenhum". Porque seu caso foi com uma cliente, se você reportá-lo, e as mensagens envolvidas, aos seus chefes, eles terão de informar os investigadores a respeito, no mínimo para mostrar serviço.

Cada e-mail que você tenha escrito, a clientes e não clientes igualmente, será examinado. Todas as despesas profissionais pelas quais tenha solicitado reembolso, todos as suas faltas por doença e todos os telefonemas que você fez usando os telefones da firma passarão por exame minucioso.

Os arquivos relacionados a clientes que você tenha utilizado serão pesquisados com toda atenção. E mesmo que nada de indevido seja encontrado, para justificar as horas dedicadas a estudar tudo isso, os investigadores recomendarão que você seja sumariamente demitido. E tudo isso porque você escolheu mencionar o assunto.

Ex-promotor de crimes de colarinho branco

Exposto à vergonha

Em minha opinião, quando você mente e trapaceia, é justo que fique exposto a passar vergonha. O que os trapaceiros amorosos não compreendem é o alcance que "um errozinho" pode ter. Trair é uma escolha. Cruze os dedos e erga as calças.

Diretor de criação musical, homem, 41

Sinto-me mal por pedir demissão

Seis meses atrás, pedi demissão do emprego que conquistei no Goldman Sachs quando me pós-graduei, porque o ambiente era tão competitivo e impiedoso que estava me fazendo sofrer.

Agora, estou desempregada e me arrependo de minha escolha. Eu estava ganhando bem e agora mal consigo pagar as contas. Como deixar de me sentir fracassada por não ter aguentado o clima por lá?

Mulher, desempregada, 24

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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