Folha de S. Paulo


Opinião: Por que é inteligente se fazer de estúpido

Na semana passada, saí para beber com uma mulher que havia acabado de conquistar um dos melhores empregos em seu ramo. Tomamos negronis de grapefruit e ela me disse que não fazia ideia sobre os motivos para que tivesse sido promovida, e que nem tinha certeza de querer o posto.

Em troca, eu contei que comigo as coisas estavam mais ou menos bem, ainda que manter o barco no rumo fosse cada vez mais complicado.

Quando voltei para casa depois dessa agradável noitada de autodepreciação pessoal, meu filho mais novo me disse que eu tinha esquecido de ir a um evento ao qual deveria comparecer na escola dele. Também me disse que uma amiga, advogada com um filho da mesma idade que ele e que também costumava perder eventos escolares, havia comparecido.

Enviei uma mensagem de texto a ela imediatamente: "E a vencedora do concurso de mãe horrorosa 2013... sou EU!"

Ela respondeu: "Você não manterá o prêmio por muito tempo. Dentro de uma ou duas semanas, pode ter certeza de que vou recuperá-lo".

Qual é o nosso problema? Somos três mulheres adultas que em geral nos saímos muito bem, tanto no trabalho quanto na vida de família. Mas continuamos a insistir em exagerar nossas falhas, em um jogo interminável de autodepreciação.

Essa é supostamente uma das maneiras pelas quais as mulheres se sabotam. Nós sempre nos retratamos de maneira desfavorável, e ao fazê-lo nos prejudicamos. Mesmo as mulheres que conseguiram subir persistem em se prejudicar ao praticar incontinência oral e nos dizer o quanto somos imprestáveis.

Houve um estudo sobre mulheres que fazem parte de conselhos de grandes empresas britânicas, segundo o qual é quatro vezes mais provável que elas se autodepreciem, se comparadas aos colegas homens, e que o resultado disso é que são vistas como fracas.

Mas concluir que a autodepreciação é ruim e deve ser exterminada é um grande erro. A questão é saber como usá-la bem.

Alguns anos atrás, acadêmicos da Universidade do Novo México publicaram um estudo com um título charmoso, "Criticar você mesmo ou criticar rivais". E a pesquisa provava que os homens que se autocriticam se provam irresistíveis para as mulheres - mas só se forem machos alfa.

Quando um homem cuja posição não é forte se autodeprecia, as mulheres sentem repulsa. Caso ele faça uma piada se descrevendo como inútil, as mulheres acreditam que o seja.

Mesmo que a pesquisa tivesse o quarto como foco, suas observações funcionam igualmente bem para uma sala de conselho, ou para qualquer escritório. Aplica-se igualmente a homens e mulheres, ainda que ofereça uma vantagem aos britânicos porque autodepreciação é algo para o que contamos com gênio inato.

Desde que não haja dúvida sobre o status, e sobre a superioridade da pessoa que emprega o método, a autodepreciação é uma das mais efetivas ferramentas que existem.

Isso desarma os interlocutores, faz com que se esqueçam de que você é poderoso e assustador, e os convence a gostar de você. O único chefe que eu realmente adorava, em minha carreira, praticava constantemente a autodepreciação.

Entre amigas mulheres, essa prática é como uma declaração de que toda competição está suspensa. Não acho de maneira alguma que eu seja a pior mãe do Reino Unido. Se fosse, não me vangloriaria do fato. Mas ao dizer à minha amiga que sou, o que quero dizer de verdade é: "Não sou perigosa. Pode se aproximar".

Quanto mais absurda a autodepreciação, melhor ela funciona. Pense em alguns dos mestres modernos da técnica: Tony Blair, Boris Johnson, ou Justin Welby, o arcebispo de Canterbury.

Quando entrevistei Welby recentemente, ele me disse que não merecia nem comparação com seu predecessor no posto, que era tedioso, nem tão santo, dotado de um cérebro de segunda categoria, e que se apavorava antes dos grandes discursos. Era tudo absurdo, claro. Mas permitiu que ele me conquistasse rapidamente.

A autodepreciação só é perigosa quando existe chance de que a pessoa com quem você está conversando concorde com a avaliação.

Aprendi isso com minha mãe. Ainda que ela jamais tenha conseguido me ensinar a cozinhar, me ensinou a nunca falar mal da comida que eu estava colocando na mesa.

Dizer que "nossa, como esse macarrão está empapado", simplesmente atrai a atenção dos convivas ao fato de que ele ficou cozinhando por tempo demais, o que de outra forma eles poderiam não ter percebido. E o pior é que os obriga a responder "não, está delicioso".

Autodepreciação que requeira contradição não funciona. É um sinal de carência, o que é sempre cansativo.

Isso mostra o que todas aquelas mulheres nos conselhos estão fazendo de errado. Seus colegas homens não estão convencidos de que elas não estão produzindo o equivalente empresarial de macarrão empapado.

Só quando estiver claro para todos que a capacidade de uma mulher é indubitável será hora de ela começar a dizer a todos o quanto é inútil.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página: