Folha de S. Paulo


Opinião: A maneira como se anda de bicicleta revela nosso comportamento no trabalho

Passando de bicicleta pela City de Londres, a caminho do trabalho na semana passada, fui ultrapassada por um homem de casaco preto, sem capacete, sem faixas reflexivas de alerta, e ouvindo música com seus fones de ouvido.

Eu o chamei de idiota mentalmente. Quando o vi entrar no estacionamento subterrâneo de um grande banco, fiquei imaginando que espécie de executivo bancário um sujeito como ele seria. Um homem como ele ou é insensato em sua avaliação de riscos - ou quer morrer. E as duas coisas são características infortunadas para alguém que cuida do dinheiro alheio.

O caso do ciclista me levou a pensar sobre as coisas que revelamos sobre nós mesmos quando pedalamos, e o quanto essas informações poderiam ser úteis para os nossos chefes.

Eu sempre imaginei que, como grupo, os ciclistas tendem a ser bons funcionários. Quando os trens param de funcionar por conta de um ventinho - como aconteceu recentemente em Londres -, as pessoas ainda precisam chegar ao trabalho na hora. Nós, ciclistas, gostamos de riscos e somos um pouquinho rebeldes, o que funciona bastante bem - especialmente em um emprego como o jornalismo.

Mas basta passar dez minutos nas ruas de Londres para demonstrar que não somos um grupo, de forma alguma. Todos nós estamos vagamente em forma. Alguns usam capacetes, outros não. Alguns violam todas as regras, outros as respeitam na íntegra. Se os empregadores realmente quiserem saber como é um potencial contratado, deveriam deixar de lado os testes psicométricos e observá-los andando de bicicleta. Alguns ciclistas podem protestar que são agressivos no selim exatamente para poderem ronronar como gatinhos em suas mesas de trabalho, mas discordo: em uma bicicleta, você está perto da morte, e por isso se torna uma versão mais intensa de seu eu verdadeiro.

Depois que parei de observar o executivo que não entende coisa alguma sobre risco e continuei na direção do meu trabalho, percebi outros três ciclistas mostrando características que teriam interessado seus departamentos de recursos humanos. O primeiro estava com a perna direita da calça enrolada para cima, expondo um tornozelo carnudo. A engenhosidade que estava exibindo, na falta de um prendedor, me impressionou. Eu o contrataria, pela capacidade de resolver problemas. O segundo era um sujeito que estava se balançando, sem avançar, sobre uma "fixie", no semáforo - bem, ninguém gosta de trabalhar com gente exibida.

E em seguida vi uma mulher em uma bicicleta Brompton rosa bebê, cruzando um sinal vermelho bem diante da catedral de St. Paul, forçando pedestres a sair de seu caminho. Um deles gritou "sua vaca", mas ela nem percebeu.

Fica claro que o sinal vermelho é o ponto mais propício para coligir dados. A mulher da bicicleta rosa fracassou completamente em seu teste de emprego, enquanto outras pessoas que desrespeitam o sinal vermelho - mas sem incomodar os outros - talvez conseguissem passar. Os sinais vermelhos também separam os líderes dos seguidores. Quando há um grande grupo de bicicletas juntas, é preciso um tipo específico de ciclista para romper o consenso e sair pedalando, mas assim que ele o faz outros pedalam em seu encalço, deixando apenas um ou dois ciclistas respeitadores da lei para trás. Eu contrataria esse par de ciclistas que respeitam o sinal vermelho até o fim - mas apenas para postos de auditoria ou para garantir que as normas e leis sejam cumpridas.

O teste das duas rodas também separa aqueles que não gostam de trabalhar em equipe. Todo ciclista vê carros, caminhões e ônibus como inimigos naturais, mas o ciclista que é hostil aos seus colegas, aquele que aperta os colegas na ciclovia e passa pelo lado de dentro só serve para trabalhar sozinho.

O ciclismo não só demonstra o quanto uma pessoa é competitiva, mas como os homens se sentem quando uma mulher é mais veloz que eles. Nas (cada vez mais raras) ocasiões em que ultrapasso um homem, de bicicleta, ele quase sempre volta a me ultrapassar em seguida, só para provar que pode.

E não é só o comportamento na bicicleta que importa, mas a bicicleta em si. A pessoa com uma bicicleta de fibra de carbono, para pista, quer impressionar. A pessoa que usa uma híbrida só quer terminar logo o trabalho. O sujeito fora de forma usando roupas de lycra fala mais do que faz. Quem não usa capacete ou tiras refletoras é louco, mas o mesmo vale para quem usa luzes e espelhos demais na bicicleta, a ponto de mal deixar espaço para o ciclista.

Para testar minha teoria sobre a conexão entre personalidade e bicicleta, acabo de conduziu um exame de controle. Um leitor vinha me oferecendo há algum tempo um passeio em sua bicicleta de dois lugares, e por isso na semana passada me instalei no selim traseiro e me vi forçada a pedalar como ele - ou seja, de forma segura, confiante e cortês. Eu definitivamente o teria contratado. Mas ainda assim estava apavorada: estar numa bicicleta sem mim parecia muito errado.

Assim, o que pedalar comigo mesma me mostra? Que gosto de estar no controle. Que ignoro algumas regras e sou bastante egoísta, mas tento não ser flagrantemente irritante. Uso capacete, um horrível colete fluorescente e saltos altos - mas para prevenir a destruição de mais algum par pelos pedais, inventei uma espécie de camisinha para o salto, feita de uma velha câmera de ar. O que mostra que eu também tenho meus momentos criativos - mas só quando estou desesperada.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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