Folha de S. Paulo


No trabalho, a competência sempre importa mais que a confiança

"A cada passo fico mais certa", Julie Andrews canta para si mesma ao marchar para seu primeiro emprego como babá, em "A Noviça Rebelde". "Tudo ficará bem. Tenho confiança em que o mundo pode ser todo meu. Todos terão de concordar, que tenho con-fi-ança em MIM".

Tentei emular essa atitude durante toda minha vida profissional. Bastava exibir alguma "con-fi-ança em MIM" que o mundo também seria todo meu. Jamais perdi tempo em questionar se essa abordagem está certa, porque é evidente que está. Todos admiram pessoas confiantes. Todos desejam instilar confiança em seus filhos. E quando contemplo um dos meus filhos - que nasceu acreditando ser um presente para o mundo - fica perfeitamente claro que ele saiu vencedor nessa loteria genética.

Mesmo pessoas que não levam "A Noviça Rebelde" tão a sério quanto eu deveriam concordam em que confiança faz diferença. Quando Michelle Obama (que inexplicavelmente disse preferir "A Felicidade Não se Compra" a "A Noviça Rebelde") declarou, em visita a uma escola em um bairro pobre de Londres anos atrás, que "seu sucesso será determinado pela confiança em vocês mesmos e persistência que vocês demonstrarem".

Cícero, que infelizmente morreu dois mil anos antes de o musical ser escrito, concorda: "Com confiança, você vence antes mesmo de ter começado". Até Samuel Johnson acreditava que "autoconfiança é o primeiro requisito para grandes empreitadas".

Mas ao que parece todos nós estamos errados quanto a isso. Ser confiante não é nada bom. De acordo com um persuasivo livro lançado recentemente, "Confidence", de Tomas Chamorro-Premuzic, professor de psicologia dos negócios no University College de Londres, é melhor não ser confiante.

Para começar, as pessoas não confiantes se esforçam mais, porque suas ansiedades as propelem. Também ouvem com mais atenção as críticas, e se adaptam levando-as em conta. E é bem menos provável que se tornem monstros arrogantes e destrutivos.

A ideia faz bastante sentido. O livro não advoga que todos ficaríamos melhor se tivéssemos complexos de inferioridade, mas aponta algo que deveria ser óbvio: cabe a nós encarar com realismo o que somos e não somos capazes de fazer. Dessa forma, nossa probabilidade de melhorar, e de conquistar amigos e influenciar pessoas ao longo do caminho, aumenta.

Não faltam estudos conectando a confiança ao sucesso. Mas o professor Chamorro-Premuzic descobriu dados que sugerem que a causalidade aponta na direção oposta. Barack Obama. Sir Richard Branson e Madonna são todos pessoas confiantes, claro. Mas sua confiança não é a causa de seu sucesso; o sucesso é que foi a causa de sua confiança. Ele argumenta que deveríamos deixar de lado a obsessão por acreditar em nós mesmos - que acarreta o risco de que todos nos tornemos preguiçosos e narcisistas - e que adotemos a competência como foco. Não deveríamos ter por objetivo acreditar que somos bons naquilo que fazemos, mas sim simplesmente sermos bons no que fazemos.

O que há de mais estranho nesse conclusão fantasticamente sensata é o quanto ela parece herética. Não creio que eu jamais tenha lido um livro de administração de empresas que afirme que a competência é o que mais importa. Li muitos que falam sem parar sobre excelência - o que representa uma meta ilusória e denota excesso de confiança, se você levar em conta o quanto a maioria das pessoas é incompetente.

No Reino Unido, a incompetência reina soberana: um recente estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) demonstrou que os britânicos de 20 anos são paspalhos matemáticos se comparados aos seus pais e avós. O que Michelle Obama deveria ter dito aos estudantes era que se concentrassem em decorar as tabuadas.

A importância da competência é muito elementar. Mas as empresas ainda assim parecem incapazes de pensar com clareza sobre ela - uma qualidade simples e útil -, e em lugar disso a tornaram em algo complicado e inútil envolvendo "competências essenciais". A consultoria e auditoria KPMG, que dá emprego a muitos pós-graduados, não informa aos seus contratados que espera que sejam bons em contas de dividir ou ortografia. Afirma que busca pessoas com sete "competências essenciais", entre as quais traços bisonhos como "produzir qualidade" e "propelir inclusão".

Em nossa busca por fazermos melhor o que fazemos, o professor Chamorro-Premuzic atribui um pequeno papel à confiança. Às vezes faz sentido fingir que nos sentimos confiantes, para sinalizar aos colegas que devem confiar em nós. Mas só devemos fingir confiança até certo ponto. Se você fingir ser muito melhor do que é, logo será desmascarado.

O que significa, para meu grande alívio, que "A Noviça Rebelde" estava certa desde o começo - ainda que o mesmo não valha para a primeira dama dos Estados Unidos e para Cícero. O importante sobre a noviça Maria é que ela não tem confiança alguma em si mesma. "E agora?", ela diz ao contemplar o tamanho da entrada para a mansão dos Von Trapp. E é por isso que ela canta a canção: para ganhar confiança suficiente, abrir o portão e se apresentar às sete crianças hostis que a aguardam do lado de dentro.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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