Folha de S. Paulo


Opinião: Esqueça o big data: feedback é melhor cara a cara

No começo do mês, a Ryanair percebeu que tratar seus clientes de forma horrível não era uma grande estratégia de negócios, e declarou que seria um pouco mais gentil. Foi uma atitude notável e, de fato, muita gente a notou.

Mas ainda mais notável foi o motivo para que Michael O'Leary, o presidente-executivo da companhia, decidisse por essa reversão de curso.

Não foi pesquisa de mercado. Não foram as redes sociais. E não foi, de forma alguma, qualquer coisa relacionada a consultores de gestão, uma categoria que O'Leary ameaçou de fuzilamento caso os encontrasse maculando a entrada de seu escritório.

A causa da mudança foram pessoas que o abordam regularmente no McDonald's para se queixar de sua companhia de aviação enquanto ele está tentando curtir um lanche com os filhos.
O'Leary declarou aos acionistas da empresa, em sua assembleia anual na semana passada, que está completamente cansado disso.

Ou seja, pode esquecer o big data. Quando o assunto é provocar mudanças, são as críticas que desconhecidos fazem cara a cara que contam. O'Leary é incomum de muitas maneiras, mas quanto a isso suspeito que seja bastante parecido com os demais de nós.

À primeira vista, enfatizar a tal ponto encontros como esse é uma reação irracional. As pessoas que o abordaram certamente não devem ser mais hostis com relação à empresa do que os milhares de outros passageiros que expressam sua hostilidade a ela on-line.

No breve período transcorrido desde que comecei a escrever este artigo, dezenas de tweets zangados foram postados sobre a companhia, entre os quais o seguinte, que muito apreciei: "A diferença de preço de 50 e 150 libras entre uma passagem da Ryanair e uma da BA [British Airways] não é paga pela carteira, mas pela alma".

Reclamações como essa são incessantes, e estão lá para que todos vejam, mas é mais fácil para um executivo ignorar esse tipo de coisa do que ignorar meia dúzia de encontros com clientes irritados.

Poderia se esperar que, com o crescimento do mundo virtual e a proliferação de dados, o valor dos encontros reais tivesse se reduzido, mas o reverso parece estar se provando verdade.

PROVAS REAIS

Quanto mais incompreensível o mundo virtual se torna, mais nos baseamos em provas "reais", não importa o quanto sejam subjetivas, que estranhos esfregam em nossos narizes.

E não é só O'Leary que dá peso desproporcional a encontros casuais que acontecem durante seus jantares. Richard Dawkins recentemente disse ao "Times" ter percebido que os ateus como ele venceram a batalha contra Deus porque sempre que vai a um jantar não encontra pessoas religiosas entre os convivas.

Quando até um cientista se baseia nos indícios casuais que a lista de convidados de um jantar oferece, você sabe que algo de fundamental aconteceu.

Acabo de encontrar um colega colunista. Estava a ponto de explicar a ele minha teoria sobre a confiança exagerada que depositamos em interações face a face, mas, antes que eu pudesse abrir a boca, ele começou a se vangloriar.

Disse-me que estava chegando dos Estados Unidos, onde havia sido abordado duas vezes por completos desconhecidos, em uma livraria e no aeroporto, que lhe disseram o quanto gostavam dele e de seus textos.

Não havia necessidade de perguntar o que achava de minha teoria: ele servia como prova viva de que ela procede. Esse sujeito recebe vasta adulação via e-mail e Twitter, mas, em comparação com o equivalente real, os elogios virtuais não o comovem.

No entanto, se elogios feitos em pessoa por desconhecidos são fortes, críticas apresentadas da mesma forma têm força ainda maior. Lembro-me em detalhes de um jantar ao qual fui 15 anos atrás, e no qual uma outra convidada, que eu não conhecia, olhou-me nos olhos e disse que achava minhas colunas insensatas. Lembro-me da comida, da roupa que eu estava usando, de tudo.

Esse tipo de coisa é memorável exatamente por ser incomum. A maioria das pessoas não aprecia ser rude em pessoa; todos fomos ensinados quando crianças a sermos gentis com os desconhecidos, especialmente se estamos compartilhando uma refeição com eles.

Em contraste, na Internet nossa criação não importa. Ninguém parece considerar que haja algo de errado com ser gratuitamente horrendo –desde que ninguém possa nos ver. Assim, o teste do jantar/McDonald's talvez tenha algo de científico. A pessoa que aborda um executivo em momento de lazer não é só mais um troll de Internet. É alguém que está falando realmente sério, e quer uma resposta.

Isso significa que o teste oferecido pelo conviva zangado que encontramos em um jantar é valioso. Se o presidente-executivo não conseguir apresentar uma defesa convincente, isso sugere que a resposta de O'Leary é a única saída honrada: hora de reverter o curso.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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