Folha de S. Paulo


Opinião: A loja de sapatos, o protesto e as consequências on-line

Até o mês passado, Niki, Jess e TJ trabalhavam em uma loja de sapatos em um shopping center de Rochester, Nova York, onde passavam seus dias ajudando crianças a calçar tênis em seus pés suarentos. Mas depois decidiram se demitir em massa. Em uma folha gigante de papel, escreveram uma carta à chefe, que dizia: Cara Jamie, já que você decidiu dizer que 'câncer não é desculpa' e xinga seus funcionários como faz todo o tempo... nos demitimos". Eles fixaram o papel à vitrine da loja e foram embora.

A história poderia ter acabado por aí, não fosse pela Internet. Alguém tirou uma foto da loja fechada –uma ponta de estoque da rede Journeys– e a postou no Reddit. Milhares de comentários positivos foram postados, e a história se tornou sucesso viral. "Se você abusa você sai fora [sic]", prosseguia a carta, em uma letra infantil e arredondada. "Não vamos aceitar nunca mais".

Hurra, eu pensei comigo mesma. Poder para o povo! Quem precisa de um sindicato se temos a Internet? Nike e seus colegas mais que compensaram suas deficiências ortográficas por meio da força de sua coragem. Os três são mártires da era moderna, e se sacrificaram por uma boa causa. A carta serve de aviso a todas as companhias de que executivos de médio escalão irritantes não só destroem o moral do pessoal como são um perigo para suas reputações e marcas.

E bem quando eu já estava espumando de indignação, a história teve uma reviravolta. Jamie e fontes-próximas-a-Jamie recorreram à Internet para apresentar contra-acusações sobre Niki, Jess e TJ.

Para tentar descobrir o que havia realmente acontecido, liguei para a sede da Journeys, onde uma mulher me encaminhou a um comunicado online em que a empresava afirmava estar investigando o ocorrido. E depois de ser nada prestativa, ela acrescentou: "Muito obrigada! Tenha um ótimo dia!"

Quando desliguei o telefonei, me admirei diante da minha ingenuidade em supor que algo de bom poderia sair de um episódio assim. Talvez tenha sido porque eu havia assistido a "A Noviça Rebelde" no teatro na noite anterior, e a lembrança da transformação do capitão Von Trapp de homem que convocava funcionários com um apito a um sujeito fofinho que canta "Edelweiss" ainda estivesse fresca demais em minha memória. Quando o tema é fazer com que as pessoas se comportem melhor, a Internet é muito menos poderosa do que uma noviça carregando um violão. Trata-se de uma ferramenta grande e bruta demais para melhorar as condições no trabalho.

Uma batalha amplificada pelas mídias sociais não é modo de resolver um assunto que pode ter muitas nuanças. De fato, não existe sinal de que atos virais de vingança de funcionários que deixam uma empresa causem danos permanentes às companhias contra os quais são dirigidos –ainda que possam tornar a pessoa que os praticou menos empregável do que no passado.

A cultura no Goldman Sachs não exibe cicatrizes visíveis da selvagem partida de Greg Smith, que escreveu um artigo de opinião publicado pelo "New York Times" no dia em que ele deixou o banco definindo a cultura da empresa como "tóxica" e "destrutiva". Por uma ou duas horas, o mundo ouviu: o valor de mercado do Goldman caiu em US$ 2 bilhões. Mas em seguida o banco contra-atacou. A única consequência foi que Smith assinou um ótimo contrato para um livro sobre o assunto. Mas quando o livro saiu, todo mundo já tinha perdido o interesse.

OUTROS CASOS

Há outros casos, igualmente. Temos Joey, o sujeito sorridente de camisa vermelha que trabalhava no Renaissance Providence Hotel. Quando deixou o emprego que desprezava, em 2011, ele chegou acompanhado por uma fanfarra para entregar a carta de demissão. Quatro milhões de pessoas assistiram ao vídeo no YouTube, mas mesmo assim nada aconteceu. Joey fez um novo vídeo há pouco tempo para mostrar que as condições pioraram ainda mais no hotel, mas apenas 10 mil pessoas assistiram à sua nova denúncia.

Há também o caso de Steven Slater, comissário de bordo da JetBlue, que estava tão cansado de passageiros rudes que se ejetou do avião por uma esteira de emergência, e foi embora pela pista de pouso. O resultado? Ele se tornou uma pequena celebridade, mas também recebeu uma condenação criminal.

Todos nós amamos esse tipo de drama. Todo mundo, em dado momento da vida profissional, sonha sair fazendo barulho, por isso ficamos felizes quando alguém realmente o faz. Mas, como audiência, somos brutais e dados a caprichos. O motivo para que a Internet nunca possa ser um sindicato é porque não nos importamos o bastante para acompanhar uma questão até o fim.

No caso de Niki e cia., eu teria deixado o assunto por ali. Mas tinha acabado de ler o blablablá da empresa em seu site: "A Journeys dá a você a chance de ser você. Celebramos a individualidade e a criatividade. As lojas têm um clima de alta energia, com foco no atendimento. Nossos funcionários são apaixonados e enérgicos quanto ao que fazem, e isso transparece".

Bobagens como essas aumentam minha determinação de acompanhar uma história até o fim. Vou esperar um mês e depois tentar descobrir o que aconteceu com Niki, Jess, TJ e Jamie. E os manterei informados.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página: