Folha de S. Paulo


Opinião: Notas na universidade não funcionam como critério de contratação

Na semana passada, lorde Winston, cientista de grandes bigodes e amor ainda maior pela mídia, revelou que não gosta de contratar pessoas com as melhores notas na universidade.

Segundo ele, é bem melhor contratar alguém com notas médias e que tenha feito outra coisa além de rachar nos estudos, durante seus três anos de pós-graduação. Uma pessoa com interesses mais amplos em geral é um cientista melhor do que um nerd de visão estreita que jamais tenha tirado o nariz da biblioteca.

Li a entrevista no café da manhã, e me diverti muito. Porque fui aluna de notas médias, aquilo que ele disse me pareceu muito sábio. Certamente me animou. Mas será que ele tem razão?

Para descobrir, enviei um e-mail a uma lista de 40 pessoas com postos importantes no "Financial Times", exigindo que me contassem que notas haviam obtido na universidade. Os resultados não foram exatamente os que eu esperava.

RESULTADOS

O "Financial Times" está repleto de pessoas que o lorde Winston desaprovaria: quase metade dos executivos que contatei tinham diplomas de primeira classe. Isso não é uma terrível surpresa, mas o que estranhei foi descobrir quem teve e quem não teve as melhores notas na universidade.

Apesar das décadas que tive para avaliar o grau de inteligência de meus colegas, meus resultados foram horríveis. Só adivinhei corretamente em alguns poucos casos, os mais evidentes.

Meu teste demonstra que as pessoas com melhores notas acadêmicas não são melhores nem piores jornalistas do que as pessoas com diplomas menos requintados.

Parece haver uma ligeira tendência - embora eu talvez esteja defendendo meu lado, nisso - a que as pessoas com notas mais baixas demonstrem mais humor e originalidade, e as pessoas com notas melhores demonstrem mais solidez e rigor - mas é uma tendência muito leve.

Mesmo sem ser uma cientista famosa, posso dizer que existem três coisas que resultam em um diploma com notas excelentes: trabalho árduo, poder intelectual e - em grau menor - sorte. Assim, você pode ter um ótimo resultado acadêmico por esforço, por inteligência ou por sorte - e cada um dos casos é diferente.

O mesmo vale para outras categorias de diplomas. Minhas notas não foram grande coisa, embora eu fosse uma espécie de CDF - passava muito tempo na biblioteca, um pouco menos no pub e o resto trancada no quarto. Não tinha interesses que ampliassem meus horizontes, embora no meu primeiro ano de mestrado eu tenha dado aulas de tricô a alunos de graduação.

Ou seja, para lorde Winston, eu represento o pior dos mundos: uma CDF de vista estreita que nem assim conseguiu notas excelentes. Mas e daí? Provei ser uma funcionária perfeitamente satisfatória.

A coisa mais reveladora sobre as respostas à minha pergunta não está nas notas obtidas, mas na forma pela qual as pessoas responderam. O primeiro indicador importante era o vínculo entre a excelência da notas e a velocidade da resposta. Quanto melhores tivessem sido as notas, mais rápido as pessoas respondiam.

A resposta mais rápida veio de alguém que não só se formou com louvor como se espantou por eu ter qualquer dúvida a respeito. "Você não sabia?", ele respondeu por e-mail.

As pessoas cujos diplomas não apresentavam grande distinção demoraram mais a responder. Algumas responderam só com as notas, mas outras enviaram mensagens longas explicando por que não tinham se saído melhor. Doença. Apego demasiado à diversão. Tempo demais dedicado ao esporte. Uma resposta dizia que "consegui um diploma de segunda linha (mas com distinções em rúgbi e críquete)". Outra pessoa me enviou as notas exatas de cada disciplina, para provar que sua média final era um acidente estatístico.

OBSESSÃO BRITÂNICA

Isso não acontece apenas porque somos jornalistas, e portanto inseguros. A obsessão quanto à qualidade do diploma obtido é um defeito de caráter britânico, e especialmente forte (creio) entre as pessoas que estudaram em Oxford e Cambridge.

Dias atrás, entrevistei o arcebispo de Canterbury e até mesmo ele fez questão de dizer que havia conseguido notas médias, mas sem se esforçar muito, na Universidade de Cambridge.

Percebo agora que discutir o assunto é insano. Desde que se formou, o arcebispo prova sua inteligência a cada dia. O mesmo vale para todos os demais de nós. Mas continuamos obcecados com as notas de uma semana de provas realizadas 10, 20, 30 ou até 40 anos atrás.

É uma completa loucura. Suponho que isso aconteça porque:

A) A média universitária é a última avaliação objetiva que recebemos;

B) Não há como mudá-la;

C) O sistema de notas das universidades britânicas é idiota - ainda que isso seja assunto para outro dia.

Assim, a escolha que os empregadores enfrentam é entre pessoas talvez um pouco inconformadas por sua média universitária insatisfatória e pessoas que se sentem parte do clube dos inteligentes a vida inteira por conta de notas altas.

Uma amiga que emprega muitos estagiários diz que prefere não contratar as pessoas com melhores notas por isso: "Eles têm uma opinião de que eu talvez não compartilhe sobre sua inteligência".

Mas nem assim ela adota regras rígidas a respeito. Encontrar a pessoa certa para um trabalho é tão difícil que a única coisa sensata é não ter qualquer regra.

Não contratar pessoas com as melhores notas faz tanto sentido quanto não contratar pessoas de bigode.

Tradução de Paulo Migliacci


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