Folha de S. Paulo


Eu (não) estou aqui

O conhecido cineasta Woody Allen já foi indicado ao prêmio Oscar mais de dez vezes, desde os anos 70. Ganhou a estatueta em algumas ocasiões, mas, na grande festa do cinema mesmo, com uma honrável exceção, nunca se dignou a pôr os pés.

A desculpa "extraoficial" é que em noites de segunda-feira, quando acontecia a cerimônia do Oscar, ele tocava clarineta numa banda de jazz em um clube em Nova York. Papo-furado ou não, o negócio é que o diretor nunca concordou com a história de uma indústria de fazedores de dinheiro premiar arte. Nem quando a cerimônia passou para os domingos ele foi.

O craque português Cristiano Ronaldo, se o mundo não acabar em injustiças até janeiro, deve ganhar o prêmio de melhor jogador do mundo da Fifa. A entrega do Ballon d'Ór está marcada para o dia 13 de janeiro, uma segunda-feira.

Eu, se fosse o CR7, tal qual Woody Allen, agradeceria o convite da festa na Suíça, mas diria que exatamente nesta segunda 13/1 teria um compromisso inadiável, tipo um novo lançamento de uma cueca de sua marca.

O marrento e vaidoso Ronaldo, que não é o Gaúcho nem o Fenômeno, é um jogador espetacular. Não é de hoje e cada vez mais. Mas só ganhou tal láurea da Fifa uma vez, lá em 2008. Nessa fase em que o prêmio passou a se chamar "Bola de Ouro", nenhuma das três. Deu azar de ser contemporâneo do mais-espetacular-ainda Lionel Messi.

O problema aqui não é o Messi, mas a Fifa. Em uma palestra em outubro na Universidade de Oxford, Inglaterra, o polêmico presidente da entidade, Joseph Blatter, disse abertamente que prefere o argentino ao português e ainda ridicularizou Ronaldo, falando do dinheiro que gasta com cabeleireiros e imitando o jeito "militar" como o craque se movimenta em campo, como um "comandante em guerra". Oi?

Acontece que, se tinha alguém neste planeta não convencido de que a performance em campo de CR7 neste ano está superior à de Messi, essa dúvida acabou com a atuação heroica dele nos dois difíceis confrontos contra a Suécia, que botou Portugal na Copa no Brasil.

Para dar um exemplo, desde janeiro, sozinho, Ronaldo fez mais gols que todos os times da Inglaterra, qualquer um deles.

Ficou famosa, no segundo jogo contra a Suécia, uma foto que circulou na internet mostrando que o atacante Hugo Almeida comemorava o terceiro gol do CR7 com os braços levantados muito antes de o jogador chutar a bola.

Nas três arrancadas incríveis de Ronaldo rumo à meta sueca, era impossível achar que ele poderia perder os gols que fez. Até o outro marrento, o rival Ibrahimovic, aplaudiu o português, quando ele marcou o segundo gol, estufou o peito e disse para seus companheiros e para o mundo: "Eu estou aqui".

A não-ida de Ronaldo à Fifa, em protesto contra a zoeira de Blatter, combinaria bem com o clima de manifestações crescentes que acontece no Brasil, contra desmandos dos mandatários. Ronaldo ficaria bem com a massa brasileira.

Venha aqui, Cristiano Ronaldo. Não vá lá.


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