Folha de S. Paulo


O exemplo inglês

A chapa está quente.

O que um singelo ato de um bandeirinha em uma partida no Campeonato Inglês pode ter a ver com os anos que virão no futebol brasileiro, a partir de 2013?

Tudo a ver, vamos ver.

No final de semana, o Manchester City derrotou o Arsenal fora de casa, sua primeira vitória em Londres desde 1975.

Mas, olhando a imprensa inglesa, a notícia do jogo foi outra.

Revoltada com o preço dos ingressos para o visitante, a torcida do City protestou deixando desocupado um terço de sua porção no Emirates Stadium, fato incomum para uma partida desse porte, ainda mais quando o City está no encalço do rival United na briga pela liderança do Inglês.

Mais: os torcedores levaram faixas onde se liam coisas como "63 libras - Quando isso vai parar?", em relação ao preço do ingresso "simples" (acima de R$ 200). Outro cartaz dizia: "Não cobrem além do que podemos pagar por nosso time, senão perderão mais fãs".

Logo após o final do jogo, as câmeras de TV pegaram um dos bandeirinhas, na hora dos cumprimentos, dizendo aos jogadores do M. City: "Vá saudar seus torcedores. Eles pagaram 62 libras por vocês".

Há uma certa revolução das massas em curso em estádios europeus, principalmente nos ingleses, que deve ser observada com atenção pelos mandatários do futebol brasileiro. Até porque, apesar de Pato, Lúcio, Renato Augusto e outras contratações milionárias, as grandes vedetes neste ano futebolístico no país serão as inaugurações dos estádios reformados ou construídos no Brasil, visando a Copa de 2014, mas já sendo utilizados neste ano em cinco Estaduais, Libertadores e Brasileiro.

Tal qual aconteceu na Inglaterra nos anos 90, as arenas brasileiras, espera-se, devem fazer o futebol daqui subir de nível, enriquecer federações e clubes, ser benéfico às cidades.

Na última coluna de 2012, sob o título "Ah, o povo...", já falei um pouco sobre como o esporte das multidões pode escantear os mais pobres e afastar do futebol seu "verdadeiro" torcedor.

Dizia que Nick Hornby chiava lá em Londres que os russos e chineses, novos ricos, ocupam os melhores lugares do estádio do Arsenal porque pagam os altos preços sem reclamar.

O escritor e seus amigos, que não querem pagar os preços pedidos, não acompanham mais o time do coração, que tanto viam in loco.

Segundo Hornby, o Arsenal não consegue mais ser empurrado às vitórias pela força extracampo.

E que, aqui, para jogos do Cruzeiro no Mineirão, o presidente do clube já havia entrado em colisão com torcedores por jogar nas costas do "luxo e comodidade" dos novos estádios os reajustes de 80% do programa de sócio-torcedor.

Se vamos seguir o exemplo inglês da revolução do estádio, na parte do enriquecimento, talvez devêssemos desde já olhar os exemplos recentes e antecipar a segunda parte dela, a do afastamento do torcedor "verdadeiro".

E evitar uma possível e consequente revolta popular derivada disso tudo.


Endereço da página: