Folha de S. Paulo


Netflix erra a mão em 'Desenrolados', sobre vendedora de loja de maconha

Robert Voetz/Netflix
Disjointed
Kathy Bates como Ruth, ativista pró-maconha da série "Desenrolados"

É preciso estar chapado para achar alguma graça em "Desenrolados", série que a Netflix lançou no último dia 25 e que é (mais uma) prova de que grandes nomes à frente e atrás das câmeras não salvam uma produção. Pobre Kathy Bates.

A atriz de 69 anos, premiada com o Oscar pela excepcional performance em "Louca Obsessão" (1990), é a protagonista Ruth, ativista pró-maconha que nunca deixou a era hippie e mantém uma loja da erva na Califórnia, onde o consumo com aval médico é permitido.

À sua volta, gravita uma coleção de tipos óbvios e entediantes.

Há o filho certinho, Travis (Aaron Moten), que recém-saído de um MBA quer fazer o negócio da mãe decolar; a atendente cabeça de vento com criação conservadora (Elizabeth Ho), a moça interessada no filho da chefe (Elizabeth Alderfer); o policial que mal cumpre a função (Tone Bell) e o moleque que sabe tudo sobre cultivar cannabis (Dougie Baldwin). Além do entra-e-sai de clientes, retratados como gente idiotizada que dispara piadas frouxas.

A única coisa a fazer frente aos contornos simplórios dos personagens é a falta de empenho dos atores. Talvez por isso as cenas mais interessantes sejam monólogos de Bates. Embora rendam algumas risadas, porém, são incapazes de tornar "Desenrolados" palatável.

A série, com 20 episódios de 25 minutos dos quais dez já estão disponíveis e dez serão colocados no ar em algum ponto de 2018, é obra de Chuck Lorre, talvez o sujeito que mais entenda de gosto médio e comédias com auditório e risadas audíveis na TV americana hoje. São dele as ultrapopulares "Big Bang Theory" (2007-), "Two and a Half Men" (2003-15) e "Mom" (2013-).

Destas, "Two and a Half Men", pela qual Lorre é lembrado mais por sua briga com o ator Charlie Sheen do que pela contribuição ao entretenimento, é a parente mais próxima de "Desenrolados". Mesmo assim, a comédia sobre maconheiros carece da acidez da anterior.

O problema com "Desenrolados" não é a temática.

Entre 1998 e 2006, "That's 70 Show" fazia piadas engraçadíssimas com a droga, quase um personagem da série. Mas a comédia sobre amigos adolescentes em Wisconsin nos anos 1970 tinha muito mais mostrar, além de revelar um elenco que voaria longe (Topher Grace, Ashton Kutcher, Mila Kunis, Laura Prepon, Wilmer Valderrama, Danny Masterson).

Em "Desenrolados", os atores são incapazes de fazer rir ou de provocar a mínima empatia.

O cocriador da série é David Javerbaum, que já fez muita coisa inteligente na TV como roteirista dos corrosivos talk-shows político-cômicos "Daily Show" e "Colbert Report", na "Comedy Central", mas aqui parece ter abdicado de qualquer pretensão de sofisticação.

A Netflix costuma ir melhor quando ousa, inventa e apresenta algo para nichos específicos de público. Para fazer TV enlatada, mesmo que com pesos-pesados, a plataforma parece, ainda, não ter acertado o passo.

Os primeiros dez episódios de "Desenrolados" estão disponíveis na Netflix.


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