Folha de S. Paulo


Sem Escobar, 'Narcos' perde em carisma, mas passa no teste de fôlego

Não há mais o carismático Pablo Escobar de Wagner Moura na terceira temporada de "Narcos", que a Netflix estreia no próximo dia 1, e sua ausência é sentida. Mas, se a mudança de eixo de Medellín para Cali e a falta de um protagonista claro tiram ritmo da série, sua dimensão humana cresce ao explorar dilemas morais de um delator.

Sem Escobar/Moura nem o agente Murphy (o enfadonho Boyd Holbrook) para contar a história, sobra para o cínico agente Javier Peña (o chileno Pedro Pascal, bem melhor) a tarefa de narrador.

Apesar de o ponto de vista narrativo continuar sendo o de um integrante da DEA (a agência de combate às drogas norte-americana), nem o policial nem a perspectiva americana ganham mais espaço. O vácuo deixado por Moura tampouco é preenchido pelos chefões do Cartel de Cali, que sucedeu a Escobar no topo da cadeia alimentar do narcotráfico colombiano nos anos 90.

Os irmãos Rodríguez, Gilberto (Damián Alcázar) e Miguel (Francisco Denis), são personagens ralos, ao menos na série, e os atores deles encarregados mostram-se incapazes de atrair empatia ou repulsa, cumprindo sua função burocraticamente.

Talvez por isso e pela atuação mais discreta e organizada do cartel os primeiros episódios da temporada soem cansativos, e menos espetaculosos do que as temporadas anteriores. É só quando um dos chefões é preso e a organização passa a lidar com as próprias fissuras que "Narcos 3" se torna outra vez interessante.

Cresce aí a figura de Jorge Salcedo, o chefe da segurança dos irmãos Rodríguez, vivido pelo ator sueco (!) filho de espanhóis Matias Varela.

Salcedo (spoilers da vida real a partir daqui) é o homem responsável pelo colapso do cartel. Ao colocar um sujeito comum trabalhando para os vilões e explorar seu medo e os altos e baixos de sua índole, a série dá ao espectador alguém com quem se identificar e por quem torcer -algo fundamental em uma trama policial.

Embora isso não tenha sido anunciado, o roteiro parece usar ao menos como uma de suas bases o livro "À Mesa com o Diabo" (ed. Objetiva, 2013), escrito ao longo de 12 anos pelo repórter do jornal "Los Angeles Times" William C. Rempel, sobre a trajetória do engenheiro e empresário colombiano vertido em chefe de segurança do cartel de drogas.

Por isso, talvez, Salcedo apareça em "Narcos" como um bom-moço -ainda que trabalhando para assassinos contumazes e cercado de corrupção. Na contramão de tantos anti-heróis em voga, é sua fragilidade que o move.

Acuado entre a família, os chefes traficantes e a polícia, o sujeito bem nascido que exerce habilmente sua função traz uma dubiedade moral ao enredo que não parecia existir nas temporadas anteriores. E Varela, em seu maior papel até agora, dá conta das nuances.

Os sócios dos irmãos Rodríguez, Pacho Herrera (Alberto Ammann) e Pepe Santacruz (Pepe Rapazote), encarregam-se de dar alguma tridimensionalidade aos bandidos, o primeiro um homossexual assumido em um lugar onde o machismo viceja e o segundo um brutamontes encarregado da rica subsidiaria nova-iorquina do negócio.

Miguel Angel Silvestre, de "Sense 8", e Wayne Knight, o Newman de "Seinfeld", respectivamente como o lavador de dinheiro e o advogado do cartel, também fazem um bom trabalho.

A Netflix liberou para a imprensa apenas os seis primeiros episódios (são 13 ao todo, e a próxima temporada já está garantida). Apesar da demora em engrenar, "Narcos" parece passar no teste de fôlego em que a maioria das séries da plataforma de streaming tem falhado. Veja teaser:

Teaser de Narcos


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