Folha de S. Paulo


(Quase) tão promissor quanto 'Mr. Robot', 'The Sinner' evoca Hitchcock

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Bill Pullman como o detetive Harry Ambrose na série 'The Sinner
Bill Pullman como o detetive Harry Ambrose na série 'The Sinner'

Confesse quem nunca teve vontade de matar aquele sujeito ao lado que ouvia música insuportavelmente alta. Pois Cora, a protagonista do suspense "The Sinner", converte vontade em ação e mata a facadas e às vistas de dezenas de banhistas, inclusive marido e seu filho pequeno, o homem na esteira ao lado que exagerava nos decibéis.

A premissa da série que acaba de estrear no canal americano USA com essa cena sangrenta, quase grotesca, soa simples e é engenhosa. (Há momentos em que o diretor Antonio Campos e o roteirista Dereck Simmons parecem ter tomado uma ou duas lições de Alfred Hitchcock.)

O que leva uma mulher de 30 e poucos anos aparentemente bem-sucedida emocional, afetiva e profissionalmente a esfaquear um estranho na praia diante da família dela, dos amigos dele e de inúmeras testemunhas repentinamente?

Será que eles se conheciam? Será que a música (ou o fulano, ou a cena) evocou algum trauma? Será que Cora sofre de algum distúrbio?

A atriz Jessica Biel entrega uma personagem que vive um turbilhão interno mesmo com cara de paisagem. Seu talento interpretativo até hoje passou despercebido, ao contrário de seu rosto hipnotizante (o filme mais conhecido é "O Ilusionista", um policial de época de 2006 em que faz a mocinha e é ofuscada por Edward Norton e Paul Giamatti, não exatamente um demérito).

Mas a Cora de "The Sinner" ("a/o pecador/a"), cruel e absorta, amorosa e contemplativa, promete uma latitude incomum para intérpretes femininas na TV, e a atriz, a julgar pelo primeiro episódio, agarrou a oportunidade vorazmente.

As cenas de flashback da protagonista são perturbadoras, dando sinais de que o fanatismo religioso e talvez um trauma sexual na infância tenham desempenhado seu papel na carnificina da praia.

Os pais da menina Cora (Jordana Rose, que também está em "Gypsy") são religiosos que a tratam sob a rédea curta da culpa. A mãe (Enid Graham) acusa-a da fragilidade física da irmã caçula; o homem que vive com elas (nunca fica claro se pai, padrasto ou outra coisa) é uma presença silente e aterradora.

No presente, a assassina Cora é presa logo após seu crime, deixando o marido (Christopher Abbott, o Charlie de "Girls") atônito.

O caso é entregue ao detetive veterano Harry Ambrose (Bill Pullman, de "A Estrada Perdida", reconfortante). É o desconfiado Ambrose, que tem suas próprias perversões, o condutor da série, encarregado de trazer pela mão o espectador até o passado sombrio de Cora.

Simmons, que trabalhou no roteiro da ótima "When We Rise", estreia como "showrunner". É bastante gente inexperiente junta em uma produção de canal pequeno, com um grande ator sobre o qual começava a pairar a sombra do ostracismo encarregado do antagonista. Pode dar muito errado.

Da última vez que vimos isso, contudo, tivemos a genial "Mr. Robot". "The Sinner", por ora, parece quase (quase) tão promissora quanto.


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