Folha de S. Paulo


Woody Allen faz de série para Amazon um arremedo de seus filmes

Woody Allen influenciou ao menos duas gerações de comediantes e roteiristas de séries na TV, mas quando chegou sua vez de saltar para uma nova linguagem, deu ruim.

"Crisis in Six Scenes" (crise em seis cenas), produção da Amazon que sua plataforma Prime Video disponibilizou no Brasil neste ano, pode agradar fãs aguerridos do cineasta com sua autorreferência e coleção de personagens neuróticos.

Divulgação
Woody Allen vive mais um rabugento na série 'Crisis in Six Scenes', que fez para a Amazon
Woody Allen interpreta Sid em 'Crisis in Six Scenes', da Amazon

Dificilmente, porém, conquistará quem espera dele algo novo ou viciados em séries que queiram se iniciar assim em sua obra.

Nesse caso, melhor se entregar a seus discípulos geniais em tela pequena, como Louis C.K. ("Louie"), Jerry Seinfeld e Aziz Ansari ("Master of None"), nessa ordem.

Não se trata de um erro catastrófico, como o próprio Allen chegou a definir sua decisão de dedicar-se à empreitada ao ser indagado sobre "Crisis" em uma entrevista coletiva no Festival de Cannes de 2015. O resultado, aliás, é muito melhor do que o filme que ele estava lançando na ocasião, "Homem Irracional".

Mas o desconforto com o formato que Allen descreveu no festival é visível na série, ainda que ele tenha se aproveitado disso para compor o roteiro (frouxo) e os diálogos (afiados, sobretudo quando ironiza a educação política geral) nesta comédia de erros ambientada nos revolucionários anos 1960 e centrada em um conflito geracional.

Para deixar essa ideia explícita, a antagonista de seu personagem judeu-neurótico-hipondríaco de sempre é a atriz e cantora Miley Cyrus, que vive uma estridente revolucionária fugitiva (ela vai bem no papel, caso alguém mais próximo da geração de Allen tenha dúvidas).

Lennie, a personagem de Cyrus, pede guarida na casa do roteirista publicitário/escritor frustrado Sid, personagem de Allen, cuja mulher, a terapeuta sexual Kay (Elaine May, ótima), é amiga de sua família. Sob o mesmo teto estão os pacientes de Kay e as colegas de seu clube do livro, além do filho certinho de um amigo da família, Alan (John Magaro), que se interessará pela moça.

Sid, blindado das transformações do mundo, não vê a hora que a garota-problema vá embora, em um embate que por vezes soa como metáfora desastrada para a contraposição filmes vs. série, estofo de debates inócuos. Eles convivem, com seus propósitos distintos, e a conclusão inevitável é que Allen não precisava de séries no currículo.

Ou, ao menos, não achava que precisava, tendo admitido à "Hollywood Reporter" em setembro, quando a comédia estreou nos EUA, que subestimou o trabalho e tinha com o formato familiaridade zero —ele disse nunca ter visto uma série.

Isso fica evidente, já que "Crisis in Six Scenes" é um grande continuum, como um filme dividido em seis blocos de 23 minutos cada um apenas na mesa de edição.

Ok, é Woody Allen, e os bons momentos são sempre acima da média das 400 e tantas produções que estreiam anualmente em nossas TVs e plataformas on-line. Longe de um engano, é, porém, uma frivolidade após a qual tudo que ressoa é a melancolia de um ocaso iminente.

'Crisis in Six Scenes' está disponível no Prime Video


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