Folha de S. Paulo


Criador da "Playboy" vira herói genial em série da Amazon

Sem alarde, a Amazon jogou neste mês em seu serviço de vídeo por assinatura, o Prime, a série documental "American Playboy", que acompanha a trajetória de Hugh Hefner, criador da revista "Playboy" e de tudo que dela se desdobrou.

Seria inútil consumir esta resenha com críticas à objetificação feminina promovida pela revista (não se carece dizer que a água é molhada).

Elayne Lodge-31.dez.12/Reuters
ORG XMIT: SIN102 Octogenarian Playboy founder Hugh Hefner poses with his bride Crystal Harris and dog Charlie at their New Year Eve wedding at the Playboy Mansion in Beverly Hills, California in this handout photo taken on December 31, 2012. Hefner briefly swapped his iconic silk pajamas for a tuxedo to marry Harris, the one-time
Hugh Hefner e a mulher Crystal Harris em seu casamento, na mansão do playboy na Califórnia, na véspera de ano novo em 2012

Superado esse percalço, trata-se de um relato bem-vindo sobre o auge de uma indústria em erosão, a das revistas masculinas, e sobre uma época conturbada da sociedade e da política americana, os anos 60 e 70. É, ainda, um material interessantíssimo para quem se interessa por narrativas de construção de imagem ou por histórias singulares.

Quem vê a figura de Hefner hoje, aos 91 anos e cercado por suas "coelhinhas", pode se fixar na imagem do bon-vivant compulsivo por sexo. "American Playboy" não omite esse lado, mas se concentra na genialidade do homem nos negócios.

A "Playboy" surgiu em dezembro de 1953 como a revista que Hefner criou para ele mesmo. O jornalista não inventou a revista de mulher pelada, claro, mas foi o primeiro a mistura o apelo das fotografias de nu a reportagens sobre estilo, comportamento, turismo e atualidades.

Com o verniz de sofisticação —e Marilyn Monroe em seu ápice na capa, graças a uma foto cujos direitos de publicação ele comprara de um desavisado por US$ 600 (hoje, US$ 5.400, ou R$ 17 mil)— a publicação conquistou rapidamente um enorme público masculino desatendido.

Na época, esse segmento encontrava revistas sobre caça e pesca (ou, apenas, com fotos eróticas e mais nada). A "Esquire", única outra publicação similar, decaía.

Em menos de uma década, a revista nascida do incômodo de Hefner virou um império, com clubes noturnos, programa na TV e toda sorte de merchandising, além de uma marca fortíssima que nem a crise no mercado editorial conseguiu apagar da memória do público.

Produzida com apoio do braço audiovisual da Playboy, a série é elogiosa ao fundador da marca. Mais do que isso, incomoda um certo conservadorismo com que justifica as ações do personagem -a aversão dele à monogamia, por exemplo, viria de uma traição confessada pela primeira mulher; a dificuldade em manter um relacionamento, da distância emocional de seus pais.

Como registro de época, porém, "American Playboy" ganha pontos.

A revista cresceu em um momento em que os americanos começavam a se libertar de seus tabus sexuais, com o lançamento do primeiro relatório de Alfred Kinsey sobre o comportamento sexual masculino. Hefner captou o fascínio do público pelo tema e ergueu seu reino.

As mais de 17 mil horas de entrevistas e cinco décadas de imagens editadas em dez episódios que misturam cenas dramatizadas também mostram o ativismo de Hefner contra a segregação racial e sua contribuição à ascensão de artistas como Aretha Franklin e Ray Charles.

Todos os episódios de "American Playboy" estão disponíveis no Prime Video da Amazon


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