Folha de S. Paulo


'13 Reasons Why' não é uma série para todos, mas acerta mais do que erra

É o hiper-realismo a maior força e a maior fraqueza, simultaneamente, de "13 Reasons Why" ("Os 13 Porquês", no título que o livro original recebeu ao ser lançado no Brasil em 2009).

A série lançada pelo Netflix há duas semanas tem alimentado artigos e textões fervorosos, um rastro maniqueísta que, ironicamente, fica como produto final de um drama que triunfa em suas nuances.

"13 Reasons", se ainda não ficou claro, não é uma série para todo mundo. E, certamente, não é uma "série adolescente", ainda que seus protagonistas o sejam.

Divulgação
Clay (Dylan Minnette) e Hannah (Katherine Langford) são amigos na série
Dylan Minnette (Clay) e Katherine Langford (Hannah) na série "13 Reasons Why"

É uma série sobre amadurecer e lidar com medos, sobre solidão e socorro, sobre a imagem que polimos para os outros independentemente das tempestades internas —um tema forçosamente universal hoje, multiplicado por nossos tantos espelhos virtuais.

O drama usa como estrutura as fitas gravadas por Hannah Baker (a novata Katherine Langford, excepcional em sua estreia), uma estudante de 17 anos que se matou, para as pessoas que ela considera, de alguma forma, responsáveis por sua decisão.

É a adaptação do best-seller de Jay Asher lançado em 2006 (este sim escrito para adolescentes e premiado nesse segmento) para os tempos de maratonas de série, patinando em alguns momentos.

Mas o interesse do espectador é logo recapturado pela vontade de saber como cada nome se encaixa na narrativa das fitas, em que os personagens, um a um, vão tendo seus "lado B" expostos ao público.

Há algo de vingativo, o que atraiu críticas de psiquiatras por atribuir um propósito supostamente atraente ao suicídio, mas há também os danos causados pelo suicida àqueles que ama, e a série não só dedica boa parte de seus capítulos a isso como fez de Clay (Dylan Minnette), o rapaz certinho apaixonado pela amiga, seu protagonista.

É injusto, porém, dizer que a série glamorize os suicidas, ainda que pipoquem alusões a Ian Curtis, o vocalista do Joy Division (que, aliás, dá alma à trilha sonora) e a Kurt Cobain, o do Nirvana, ambos suicidas em seu auge.

A personagem Hannah, uma menina comum com uma vida comum em uma cidade que pode ser qualquer uma, é construída para que guardemos com ela um grau de empatia, mas sem admirá-la. A série é realista ao mostrar que depressão e outros transtornos de ansiedade nem sempre se estampam na cara, e nem sempre são visíveis mesmo para quem convive com ela.

"13 Reasons" sai-se bem ao tratar de machismo, bullying e da variação na percepção da verdade de um indivíduo para o outro, o que pode tornar deslizes diários, propositais ou não, tormentos.

O hiper-realismo das cenas de estupro e suicídio assustam porque precisam assustar, mas é necessário estômago e estabilidade emocional para digeri-los. Quem tem tendências suicidas manifestas pode ver na série gatilhos, conforme depoimentos publicados após o lançamento.

Como dramaturgia, "13 Reasons" é louvável, um suspense bem montado de um realismo provocante sobre um tema perene e bom elenco (Kate Walsh, de "Grey´s Anatomy", e Brian d'Arcy James, "Spotlight", estão excelentes como os pais de Hannah).

Como peça social, talvez pudesse ser mais bem trabalhada para deixar claro que seu público não são as Hannahs em potencial, mas os amigos, pais e professores —os que ficam.

"13 Reasons Why" está disponível no Netflix


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