Folha de S. Paulo


Não faltaram coisas interessantes, mas nem séries salvaram 2016

Curtis Baker/Netflix/Divulgação
A atriz Millie Bobby Brown como Eleven, um dos destaques de
A atriz Millie Bobby Brown como Eleven, um dos destaques de "Stranger Things"

2016 também não foi um grande ano para séries. Não faltaram coisas interessantes. Canais e plataformas de streaming continuam investindo em produções cuidadosas; roteiristas podem ousar e há ofertas para todos os gostos. A audiência vai muito bem.

Séries deixaram há muito de ser coisa de nicho, deixaram de ser vistas como "enlatados". Consolidadas como o produto cultural de entretenimento de consumo mais amplo (mais que cinema, literatura, novelas), permeiam diferentes faixas etárias e classes sociais graças a disseminação de plataformas.

Então, por que 2016 não foi lá essas coisas? Porque não houve um lançamento surpreendente. Não houve uma série empolgante a ponto de beirar a unanimidade entre público e crítica. Nada se mostrou revolucionário em narrativa, dramaturgia ou estética. Passamos um ano sem saltos de qualidade como há muito não passávamos.

Parte do público defenderá que "Westworld", da HBO, preenche esses requisitos, mas isso não é, ainda, verdade. A série tem potencial e perguntas interessantes, mas a linha de narração espiralada não é nova, muito menos o dilema homem versus máquina.

A trama, que patinou por semanas, precisa mostrar capacidade de sustentar o fôlego ganho nos capítulos finais para entrar no panteão de "Breaking Bad", "Game of Thrones", "A Escuta".

Outros defenderão a ótima minissérie "The Night Of", mas o drama sobre um estudante que se vê preso por um crime que não sabe se cometeu tem um roteiro tão esquadrinhado, apesar das excelentes performances, que é até injusto compará-lo às recentes "Fargo" e "Olive Kitteridge".

Há também os que vibraram com "The Crown", mas a ostensiva produção da Netflix sobre a ascensão da rainha Elizabeth 2ª não chega aos pés de outro drama histórico disponível no mesmo serviço, "Wolf Hall", com o sublime Mark Rylance como Thomas Cromwell.

E há "Stranger Things", cujo apelo à memória afetiva pode ser uma delícia, mas é mais conforto do que estímulo ou surpresa.

É sintomático que a coisa mais inovadora deste ano que termina pareça ter sido uma minissérie de um canal aberto brasileiro, "Justiça" (Globo), um pouco porque nossas expectativas para canais abertos brasileiros são menores.

Ou, em contrapartida, que a verdadeira pérola do ano -a teatral "Horace and Pete", produzida pelo comediante Louis C.K. e vendida em seu site- tenha sido escondida por um modelo de distribuição independente, novo e ainda limitado em alcance.

Foi um ano sem coisas geniais, adjetivo cada vez mais banalizado, como já observou Mauricio Stycer. Talvez porque muita gente hoje encare uma série de que goste com o ardor com que encara política ou o futebol, reagindo agressivamente à discordância, esquecendo que é ela que faz a arte ousar, provocar, frutificar.

Ao menos na ficção, quero crer que 2017 nos trará coisas melhores. Saúde, sorte e surpresas boas para todos nós.


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