Folha de S. Paulo


Herói de '24 Horas' é presidente acidental em 'Designated Survivor'

Imagine uma bomba explodir o Congresso no momento em que o presidente faz o discurso mais importante do ano, matando não só o líder do país como todos na linha de sucessão, incluídos senadores, deputados, membros do Supremo e do gabinete. E só sobrar para governar um ministro de segundo escalão.

Essa é a boa premissa de "Designated Survivor", drama do canal americano ABC que chegou ao Brasil pela Netflix (os episódios entram no ar semanalmente –há seis já disponíveis; nos EUA, a série está no décimo dos 22 episódios da temporada de estreia).

O título, "sobrevivente escolhido", alude a uma função que existe nos EUA: quando o presidente faz seu discurso anual sobre o estado da União, no Capitólio, ele escolhe uma pessoa para se ausentar e, se uma hecatombe no local dizimar o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, conduzir o país temporariamente.

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Kiefer Sutherland como Tom Kirkman em
Kiefer Sutherland como Tom Kirkman em "Designated Survivor"

Às vezes a missão cabe aos secretários de Estado ou da Justiça. Normalmente, porém, o escolhido ocupa pastas menos nobres na hierarquia americana. Na série criada pelo novato David Guggenheim, ele é Tom Kirkman, o secretário da Habitação e do Urbanismo, vivido por Kiefer Sutherland.

É estranho ver Sutherland metido em mais um drama sobre política, terrorismo e espionagem despido da roupagem e do éthos de Jack Bauer, o herói sem meios-termos parido nos EUA pós-11 de Setembro de "24 Horas" (2001-10).

Sutil, a nova atuação até convence. Mas Kirkman, quase a antítese do abnegado agente da CTU que traduziu os anos Bush, é um personagem pouco verossímil em tempos de Donald Trump. Temos, claro, a figura do não-político, esse novo sebastianismo ao qual eleitores mundo afora têm aderido sob uma promessa dúbia de salvação.

Entretanto, ao contrário do futuro presidente real dos EUA, o fictício Kirkman é o sujeito que está ali por acaso, sem ter se candidatado nem sido eleito, hesitando a cada passo, inseguro de sua capacidade para liderar o país.

A pureza do personagem central contrasta com os dois únicos congressistas sobreviventes, a veterana Kimble Hookstraten (Virginia Madsen), escolhida para perpetuar o Legislativo, e o neófito Peter MacLeish (Ashley Zukerman), cujo sucesso em sair ileso da explosão move o suspense da série.

Essa pusilanimidade do presidente, à primeira vista um canal de empatia para o espectador, se torna tediosa no decorrer dos episódios. Mas a série ainda não chegou ao meio, e uma corrupção do protagonista ao estilo "Breaking Bad" pode torná-la mais interessante. Sutherland é competente, e seu personagem pode crescer.

Evitados maniqueísmos e mantido o mistério sobre o atentado ao Congresso como fio condutor, apenas, será interessante acompanhar uma ficção sobre o que torna, afinal, um presidente legítimo.


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