Folha de S. Paulo


'True Detective' volta mais sóbria no ano 2, mas demônios continuam lá

Sai a misoginia, entra a relação paternal conturbada. O tema latente pode ter mudado, mas o tom profundamente soturno que diferenciou "True Detective" das demais séries e trouxe fama a seu autor, Nic Pizzolatto, permanece intacto na segunda temporada, que estreia na noite deste domingo (21), na HBO.

O que também continua pairando no ar pesado que respiram os protagonistas da série -todos mudam nesta temporada- é a desconfiança em relação ao outro. Nada é o que parece, ninguém é o que diz ser, todos têm um passado a esconder.

Essa premissa é entregue pela canção de abertura, a linda "Nevermind", na voz grave de Leonard Cohen (ouça aqui ). "I had to leave/ My life behind/ I dug some graves/ You'll never find/ The story is told/ With facts and lies/ I had a name/ But never mind" ("Tive que deixar/ minha vida para trás/ cavei umas covas/ que você nunca encontrará/ A história é contada/ com fatos e mentiras/ Eu tinha um nome/ Mas deixa para lá).

Como na primeira temporada, difícil é saber quem é o diabo em questão (ou quem fez seu pacto com ele).

O primeiro candidato, no segundo caso, é Ray Velcoro (Colin Farrell, de "Por um Fio", em sua versão mais sebosa possível).

Detetive policial na fictícia cidade de Vinci, Califórnia, Velcoro é um sujeito corrompido lidando com fantasmas, notadamente um filho adolescente que pode ser fruto de seu casamento desfeito ou de um estupro que a então mulher sofreu. O detetive se atém à primeira hipótese, mas isso não suaviza sua relação com o garoto nem com o mundo.

O assassinato grotesco de um político local, dono de negócios pouco convencionais, o coloca lado a lado com uma colega da cidade vizinha, Ani Bezzerides (Rachel McAdams, de "Meninas Malvadas").

Ani é o apelido de Antígone, nome inspirado na tragédia grega que deixa entrever o tamanho do carma familiar da personagem. Filha de uma espécie de guru fora de época (David Morse, de "Dançando no Escuro", sensacional), ela carrega como reflexo de sua infância incomum uma retidão moral excessiva, que ocasionalmente explode.

Para descobrir o assassino e sua motivação, os dois têm a ajuda do policial rodoviário Paul (Taylor Kitsch, o Remy de "X-Men: Origens"), que achou o cadáver e que não parece ter amor à própria vida (boas cenas de Kitsch na patrulha denunciam as origens do diretor Justin Li, de "Velozes e Furiosos").

O quarteto principal é completado por Vince Vaughn (sinistro ao sair de papeis como o de "Penetras Bons de Bico"). Ele é Frank Semyon, um gângster que se torna empresário e busca aceitação social, mas se vê de volta às bases quando seu último sócio é encontrado morto.

Como na primeira temporada, na qual a dupla de policiais Rust (Matthew McConaughey) e Marty (Woody Harrelson) caçava um assassino serial enquanto mantinha conversas existencialistas, a história importa menos do que os personagens e as relações entre eles. No novo contexto, porém, Pizollatto decidiu abrir mão das idas e vindas no tempo e nos 'loopings' filosóficos e tornar a narrativa mais linear (ele explicou por que em uma entrevista, em inglês)

E se da primeira vez os pântanos da Louisiana quase sussurravam para o espectador, agora é o contraste entre a pujança e a aridez da Califórnia que dá tom à trama. Os demônios seguem à solta, apenas mais sóbrios. Como canta Mr. Cohen, entre nós, bem disfarçados.


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