Folha de S. Paulo


'Game of Thrones' se liberta de livros e decola

Um desavisado que começou a assistir a quinta temporada de "Game of Thrones" (HBO) após desdenhar todas as anteriores, entediado com os episódios iniciais em 2011, se pegou esperando ansiosamente por uma prometida batalha, fisgado pelos acontecimentos que se sucederam nas telas nos últimos domingos.

Nas telas, mas não nos livros.

As mudanças que provocaram surpresa e reclamações dos fãs da interminável série literária de George R. R. Martin também tornaram a versão para a TV mais ágil e instigante para quem não leu o original.

É natural que roteiros inspirados em livros condensem personagens e porções narrativas das tramas em que se baseiam para que estas caibam em uma limitada quantidade de horas. Às vezes, a tela pede soluções explícitas para aquilo que no papel era sutileza ou insinuação ("Desejo e Reparação", baseado no livro "Reparação", de Ian McEwan, é um triste exemplo).

Divulgação
Sophie Turner como Sansa Stark e Aidan Gillen como Littlefinger na quinta temporada de
Sophie Turner como Sansa Stark e Aidan Gillen como Littlefinger na atual temporada de "Game of Thrones"

Os roteiristas de "Game of Thrones" têm sacudido a história de tal modo, porém, que personagens centrais tiveram a trajetória virada do avesso – e com aval de Martin.

"O que acontece com Sansa é novidade para quem leu e quem não leu o livro", diz a jornalista Natasha Madov, que releu os cinco volumes já lançados do que promete ser uma "septualogia" (esta colunista não leu e foi ouvir especialistas). "Os dois últimos livros não têm ação."

Não é difícil supor um temor dos produtores de o autor não terminar os livros dentro do cronograma previsto para a série (o primeiro foi lançado em 1996; o quinto, em 2011). Dada a enorme audiência e sua expectativa, isso já seria motivo suficiente para pisar fundo no acelerador e correr pelo acostamento.

Mas as mudanças também consertaram uma história que já patinava e, com tantos fóruns on-line para debatê-la, não surpreendia.

Westeros inteira parece ter despertado com uma overdose de cafeína. Além de Sansa (Sophie Turner), que protagonizou uma cena cruel destinada a uma personagem menor no livro, foram alvo do surto criativo dos roteiristas Jorah Mormont (Iain Glen) e Tyrion (Peter Dinklage); Jaime (Nikolaj Coster-Waldau); Littlefinger (Aidan Gillen); Mance Rayder (Ciarán Hinds) e Brienne (Gwendoline Christie).

E não foi só a ação que ganhou espaço; a política e a crítica social, com a ascensão mais rápida e destacada do fanatismo religioso na narrativa, mudaram o tom da série para melhor. Parte dos personagens secundários ficou de lado, dando uma nova dinâmica à edição.

O próprio Martin, assediado por fãs dos livros que exigiam fidelidade máxima nas telas, explicou com enfado em seu site, no último dia 18, que "são dois jeitos de contar a mesma história" e elogiou a HBO por haver avançado mais de 40 horas na tarefa "impossível de adaptar romances extremamente longos e exageradamente complexos com centenas de personagens e subtramas".

"Há diferenças desde o início, e, em efeito borboleta, pequenas mudanças causam grandes que levam a outras enormes", concluiu.

Que bom que as borboletas de Martin parecem ter asas de dragão.


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