Folha de S. Paulo


'Honourable Woman' consagra anti-heroína

Você não vai encontrar em "The Honourable Woman", o thriller em oito episódios que deu a Maggie Gyllenhaal o Globo de Ouro de atriz em telefilme ou minissérie, a profusão de explosões de "24 Horas" ou "Homeland". Tampouco explicações didáticas sobre o Oriente Médio na boca de um personagem aleatório.

Isso não impede que a minissérie produzida pela rede britânica BBC, por vezes árida e difícil de digerir, seja envolvente para o espectador comum (que pouco lê sobre o conflito israelo-palestino) e para o consumidor voraz de notícias da região.

Essa dificuldade e esse apelo não vêm do tema espinhoso, alvo de uma leva de produções recentes, mas da forma como ele é abordado: sem concessões ou mocinhos e com muitas nuances entre certo e errado.

"The Honourable Woman" acompanha, em diferentes momentos, a história de Nessa Stein, herdeira rica de uma fábrica de armas israelense que tenta converter o negócio do pai em uma empresa de infraestrutura para comunicação operando nos territórios palestinos.

Divulgação
A atriz Maggie Gyllenhaal interpreta Nessa Stein em cena do seriado
A atriz Maggie Gyllenhaal interpreta Nessa Stein em cena do seriado

Além de navegar na complexa política local, o que inclui corrupção e interesses pouco nobres de ambas as partes, Nessa precisa lidar com demônios internos e uma delicada órbita familiar, ambos marcados pelo assassinato do pai diante dela e do irmão ainda meninos. Tudo sob o radar do MI-6, o serviço secreto britânico, e a politicagem inglesa.

A descrição parece complexa demais, mas "The Honourable Woman" é, antes de drama político, um tenso drama familiar sobre identidade, interesses e o que une as pessoas. Nos melhores momentos, chega a lembrar "O Poderoso Chefão".

O contexto singular da família de Nessa –seu irmão, Ephra (Andrew Buchan), a cunhada, Rachel (Katherine Parkinson), a governanta palestina do casal, Atka (Lubna Azabal, incrível), e o filho dela (o menino Oliver Bodur)– não fica a dever nem para romances consagrados nem para boas novelas.

E o núcleo do MI-6, com o inspetor vivido por Stephen Rea à frente, faz as tramas da CIA em séries americanas parecerem ingênuas, aproximando-o de "House of Cards" (cuja versão original é britânica).

O produtor/criador Hugo Blick, que se inspirou na tentativa histórica de assassinato de um embaixador israelense em Londres por um grupo terrorista palestino em 1982, quis fazer uma crítica a seu país.

Durante o lançamento britânico, Gyllenhaal ressaltou, em entrevistas à imprensa local, que preferia manter suas opiniões sobre o tema inéditas para não contaminar a forma como o espectador vê a série (nem precisava, já que é difícil ali ignorar o choque e assumir lados).

Blick conseguiu também, intencionalmente, fazer uma minissérie em que a relação entre os sexos tradicionalmente exposta no cinema e na TV se inverte e as mulheres ocupam os papeis mais poderosos.

Sua atriz principal ressaltou esse aspecto ao receber o Globo de Ouro, festejando a "riqueza de papeis de mulheres reais", poderosas ou não, heroicas ou não, nas telas.

Depois de tantos antiheróis, podemos estar vendo surgir com Nessa, a Claire Underwood de Robin Wright em "House of Cards" e a Carrie Mathison de Claire Danes em "Homeland" uma geração gloriosa de anti-heroínas.

"The Honourable Woman" está à venda no iTunes.


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