Folha de S. Paulo


'Happy Valley' é melhor achado da temporada

"Happy valley", série produzida pela BBC no Reino Unido e disponibilizada pelo Netflix no mês passado, não é fácil de assistir. Dura, tensa, melancólica e às vezes até dolorida, fala de crimes hediondos (sem chegar a ser grotesca), de culpa, de relações familiares e de relações humanas tortuosas em geral.

Quem resistir à aridez inicial, porém, será compensado por um dos melhores dramas no ar, capaz de deixar o espectador angustiado até o episódio seguinte ao mesmo tempo que lhe dá em que pensar.

A história narrada em seis episódios é a da delegada Catherine Cawood (Sarah Lancashire, um talento impressionante que vinha passando batido), que se vê às voltas com o estuprador de sua filha, Tommy Lee (James Norton, que dará o que falar), quando ele é solto da prisão. O crime gerou o menino Ryan e levou a filha da delegada ao suicídio seis semanas após o parto, como ela conta no primeiro episódio.

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Cena da série 'Happy Valley
Cena da série 'Happy Valley'

Catherine é divorciada, vive com a irmã dependente química, cria o neto com distúrbios comportamentais e não fala com o filho. Colocando tudo em sequência parece que o enredo é ainda mais pesado, mas não se intimide – há tensão, não rebuscamento nem apelação.

Delegada e estuprador se reencontram por causa de um sequestro malconduzido. Paralelamente, corre o drama do funcionário frustrado Kevin (Steve Pemberton), que planeja a abdução da filha do chefe e, tarde demais, se arrepende.

Escrita pela aclamada roteirista britânica Sally Wainwright, "Happy Valley" se passa em uma região do centro da Inglaterra (West Yorkshire, 280 km ao norte de Londres) conhecida pela população operária e por ter sido, no passado, um importante polo minerador e têxtil.

Esse perfil classe-média-baixa-branca-inglesa-esquecida já torna o drama da BBC diferente do que a ficção recente costuma abordar.

Há algum parentesco com a primeira temporada de "The Killing", outra série adotada pelo Netflix, e "Fargo"(sem canal no Brasil).

Mas são primas, não irmãs: "The Killing" aposta no mistério, enquanto "Fargo" é puro humor negro. Apesar de algumas tiradas sarcásticas e do cinismo inglês, é difícil imaginar alguém rindo com "Happy Valley", e certamente a série não tem nada de detetivesca, apesar de sua protagonista ser policial.

A produção britânica, porém, é muito mais humana e tem uma sutileza feminina (não à toa, a filha de Catherine é vizinha de túmulo da poeta americana Sylvia Plath, ela também suicida, ela também uma expert em falar de angústia).

O que leva o espectador a ficar ansioso pelo próximo episódio –a audiência foi alta no Reino Unido–não é nenhum mistério a ser solucionado, e sim passar a se importar com o destino dos personagens, resultado de uma narrativa sóbria, intimista e assustadoramente realista.

Não será surpreendente vê-la nas premiações do ano que vem.


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