Folha de S. Paulo


'Madam Secretary' aborrece e desinforma

Havia especulações, antes de o drama político "Madam Secretary" estrear em setembro, de que a série sobre o dia a dia de uma secretária de Estado dos EUA seria inspirada em Hillary Clinton, braço direito de Barack Obama para política externa entre 2009 e 2013 e provável concorrente à Casa Branca em 2016.

Afinal, sua heroína é loira, versada em geopolítica e... mulher.

Passados cinco episódios, dá para dizer que a chanceler vivida por Téa Leoni (alguém se lembra de "The Naked Truth", dos anos 90?) tem tanta semelhança com Hillary quanto um tubarão tem com uma tartaruga. Os dois gostam de água, pertencem ao reino animal, mas...

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Tea Leoni em cena da série 'Madam Secretary'
Tea Leoni em cena da série 'Madam Secretary'

Elizabeth McCord, a protagonista, é uma professora universitária idealista e ex-agente da CIA que de repente é convocada a assumir o cargo de secretária de Estado (o equivalente a ministra das Relações Exteriores) quando o titular morre em um acidente aéreo suspeito.

Casada com outro professor (Tim Daly) e mãe de três adolescentes, precisa cuidar da casa e da família, além de desvendar uma aparente conspiração no gabinete, enquanto cuida dos problemas do mundo.

Tudo com muita doçura, crença na humanidade e tempo para fazer o jantar. Dá para imaginar Hillary, uma workaholic politicamente sagaz que nunca deixou o ambiente do poder, rindo da "homenagem". (A biografia profissional fictícia, aliás, lembra mais Samantha Power, conselheira de Obama que lecionou em Harvard.)

O abismo entre a personagem e sua inspiração seria só um detalhe desmonta-marketing se a série não fosse chata. E rala. Porque "Madam Secretary" tenta ser coisas demais ao mesmo tempo, e falha miseravelmente em todas elas.

O enredo político é ingênuo, cheio de buracos que irritam quem conhece um pouquinho da realidade (uma secretária de Estado recebendo sozinha um rei, sem o presidente junto? Casa sem seguranças? Escolha de ministra sem conversas prévias nem articulação política?). Melhor rever "West Wing" ou "House of Cards" ou a novelesca "Animais Políticos", em que Sigourney Weaver é uma chanceler mais "hillarística".

O foco mulher-família-profissional serve só de muleta ao roteiro (melhor ver "The Good Wife" e "Damages"), e a trama conspiratória perde até para "Scandal". Prefira "Homeland", para a qual Barbara Hall, criadora de "Madam Secretary", escreveu alguns episódios.

Há, por fim, um núcleo cômico, com assessores de McCord, aparentemente (mal) inspirado em "Veep".

Téa Leoni, atriz com limitações, é incapaz de salvar esse roteiro.

Ainda assim, o público americano, inclinado a dramas políticos, mantém a audiência média da série em 12 milhões de espectadores.

Pode ser que "Madam Secretary" mereça uma segunda chance e evolua no decorrer da temporada. A ver. Mas é necessário um choque. Elétrico, ou, pelo menos, de realidade.


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