Folha de S. Paulo


MPF pede à Fazenda fim da paridade no Carf

Os quatro procuradores da República que compõem a força-tarefa da Operação Zelotes, instaurada para investigar um esquema de corrupção no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), defendem o fim de representação privada no órgão.

Nesta quarta-feira (6), os procuradores estiveram no Ministério da Fazenda, ao qual o Carf está subordinado. Entregaram nas mãos do secretário-executivo adjunto da pasta, Fabrício Dantas Leite, minuta com sugestões de aprimoramento do conselho, palco de uma das maiores –senão a maior– fraudes já detectadas no país, estimada em R$ 19 bilhões.

A principal proposta dos procuradores é acabar com o atual formato de composição do conselho, paritário, em que indicados dos contribuintes têm o mesmo poder de voto que os representantes da Fazenda Nacional –auditores da Receita Federal.

O modelo de funcionamento e composição do Carf é único no mundo se comparado a outros tribunais de recursos fiscais. Algo está errado.

"Sempre que há uma crise como essa do Carf, abre-se uma janela de oportunidade para melhorar e fortalecer a instituição pública. A figura do conselheiro privado no Carf é a porta de entrada para a corrupção", disse à coluna o procurador José Alfredo de Paula Silva, um dos integrantes da força-tarefa do MPF, coordenada por Frederico Paiva e integrada também por Raquel Branquinho e Rodrigo Leite Prado.

José Alfredo pondera que, evidentemente, também há servidores públicos corruptos. Mas o sistema de votação do conselho facilita a ilegalidade.

Fazem parte das turmas de julgamento do Carf três conselheiros indicados pelos contribuintes e três pela Fazenda. O presidente da turma é sempre um conselheiro fazendário, que tem o voto de minerva em caso de empate. Raramente os conselheiros privados votam contra os contribuintes. De um modo geral, são advogados tributários muito bem pagos pelas grandes empresas. Ou seja, votar contra o contribuinte é votar contra seus clientes efetivos ou potenciais. E acreditem: o conselheiro privado/advogado tributarista não recebe nada por seu trabalho no Carf. Como no capitalismo selvagem não existe almoço grátis...

Neste modelo brasiliano surreal, basta corromper um auditor da Fazenda para derrubar, por exemplo, um auto de infração bilionário lavrado pela Receita Federal.

Há de se fazer aqui uma digressão sobre o sistema recursal até chegar ao Carf, tribunal administrativo de última instância de julgamentos de atos do fisco:

1) Auditores concursados, bem treinados, da Receita Federal detectam indícios de sonegação/fraude cometidos por um contribuinte;

2) É aberta, então, uma fiscalização;

3) Os auditores escrutinam a contabilidade da empresa;

4) Dão a oportunidade à empresa de apresentar a comprovação da legalidade de suas operações, com o devido recolhimento de tributos;

5) Não tendo a empresa comprovado o correto pagamento de impostos, os auditores lavram o auto de infração;

6) A empresa entende que os auditores estão errados, e recorre à Delegacida de Julgamentos da própria Receita. Mantido o auto pela DRJ, aí, sim, a empresa bate à porta do Carf.

No Carf, há várias instâncias. Um julgamento leva em média oito anos para ser concluído no conselho. E ao afinal, se perder, a história não acaba para o contribuinte. Ele pode, então, começar tudo de novo na Justiça. Essa hipótese, no entanto, só vale para o contribuinte. A Fazenda, se perder no Carf, chupa o dedo.

"Quando o Brasil está sozinho no mundo, temos que fazer uma reflexão. Ou exportamos nosso modelo para o mundo ou precisamos rever nosso modelo", diz José Alfredo.

Acabando com o modelo paritário, o corruptor teria de comprar pelo menos três auditores, isso se nessa conta estiver incluído o presidente da turma.

José Alfredo lembra que um auditor, se flagrado num ato de corrupção, tem muito mais a perder do que um advogado que nada recebe por estar lá. Para início de conversa, o auditor seria demitido a bem do serviço público.

Na semana passada, a presidente Dilma Rousseff assinou um decreto pelo qual veda-se aos conselheiros dos contribuintes o exercício concomitantemente da advocacia. "É um começo, mas não podemos parar por aí", diz José Alfredo.

Além de acabar com a figura do representante privado, os procuradores também defendem a simplificação do Carf, diminuindo ao máximo o número de etapas recursais no conselho. "O Carf importou o que há de pior no Judiciário, com inúmeras possibilidades de adiamento da decisão."

Outro ponto importante defendido pelos procuradores é igualar os direitos da Fazenda aos dos contribuintes. Se a Fazenda não pode ir à Justiça após o trâmite do recurso no Carf, os contribuintes também não poderiam. Após o julgamento na DRJ da Receita, teriam de optar: ou Carf ou Justiça.

Na semana passada, o Ministério da Fazenda divulgou uma série de medidas para aprimorar o Carf, postas sob consulta pública. Daí o conjunto de propostas do MPF.

Pelo traçado inicial da Fazenda, os representantes privados permaneceriam no Carf, porém remunerados. A Fazenda também defende a redução do número de conselheiros e de instâncias no conselho. "Eles [Fazenda] têm demonstrado boa vontade em aprimorar o conselho. Mas precisamos ir mais longe", diz José Alfredo.


Endereço da página: