Folha de S. Paulo


Empresa de Marchiori nem sequer tinha endereço

A empresa usada pela socialite Val Marchiori para obter um financiamento de R$ 2,7 milhões no Banco do Brasil, a Torke Empreendimentos e Participações, nem sequer tinha um endereço formal para informar ao banco. Conforme a Folha revelou no ano passado, o BB concedeu o crédito para Marchiori, a partir de uma linha subsidiada pelo BNDES, driblando um série de regras internas.

A Torke obteve o financiamento, em 2013, para a compra de cinco caminhões-reboque. Poucos meses antes da liberação dos recursos, a empresa era usada por Marchiori para receber os cachês por suas participações em programas de TV. Já na fase da análise de risco de crédito da operação, ela informou ao BB que a principal fonte de receita da empresa era a pensão alimentícia de seus dois filhos menores. Na época, ela estava afastada do empresário Evaldo Ulinski, pai das crianças, com quem casaria oficialmente no ano passado.

Dada a fragilidade da empresa, o BB exigiu maior demonstração de sua capacidade financeira. A Torke informou, então, que alugaria os caminhões objetos do financiamento para a Veloz Transportes, pertencente ao irmão da socialite, Adelino Marchiori.

O contrato entre as empresas dos dois irmãos foi assinado no dia 15 de maio de 2013. No documento, a Torke informa o seguinte endereço de sua sede: São Paulo, Capital, na Rua Estados Unidos, número 346. Trata-se, na verdade, do endereço da agência do Banco do Brasil onde Marchiori tem conta e por onde ela solicitou o crédito.

Os bens financiados são a principal garantia do tipo de financiamento concedido, com juros de 4% ao ano, abaixo da inflação. Para o agente repassador do crédito –no caso, o BB–, é importante saber onde os bens financiados se encontram, até pela eventual necessidade de uma fiscalização no local. O BB aceitou no processo de concessão do crédito o contrato com o endereço da Torke como sendo o da agência Estados Unidos.

Há um outro enigma no contrato assinado entre os dois irmãos. No item II, do "Objeto", informa o texto: "1. A locadora, por força de contrato FINAME - 1863743 por prazo indeterminado [sic], é proprietária de cinco conjuntos cavalo mecânica/carretas marca Scania/Ibiporã...".

O contrato entre Val e Adelino foi assinado em 15 de maio de 2013. O financiamento só foi assinado pelo BB, com a consequente liberação dos recursos para a aquisição dos caminhões, em agosto daquele ano. Cabem aí algumas perguntas: a) como a Torke informa no contrato ser proprietária de cinco caminhões, com marca e tudo, cinco meses antes da assinatura do contrato com o BB?; b) quais critérios o BB adotou para aceitar esse contrato de locação?; c) como a Torke já dispunha de um número de contrato FINAME antes da operação ter sido aprovada pelo BNDES?

Conforme a Folha revelou no ano passado, a Torke não tinha demonstrações contábeis válidas legalmente nem previsão no contrato social para "aluguel de caminhões", objetivo do financiamento solicitado ao BNDES, quando deu início a solicitação do crédito.

O BB teve ainda que driblar outras regras para conceder o financiamento, como desconsiderar dívida não paga por Marchiori ao banco, falta de capacidade financeira compatível com o valor e aceitar pensão alimentícia como receita, cuja penhora é inconstitucional.

A coluna entrou em contato por telefone e por e-mail com o funcionário da agência Estados Unidos que assinou pelo BB o contrato, Alexandre Canizella. Por telefone, ele informou que não estava autorizado a falar da operação. Ele não respondeu ao e-mail encaminhado pela coluna nesta quarta (11).

A coluna entrou em contato com a assessoria do BB em Brasília. A assessoria informou que a operação está de acordo com as regras do banco e que nenhuma norma foi driblada.

No ano passado, a coluna entrou em contato com o BNDES. Por meio de sua assessoria, o banco informou na ocasião que as normas do banco haviam sido respeitadas na concessão do empréstimo para a empresa de Val Marchiori.

Após as sucessivas reportagens publicadas pela Folha sobre como o BB driblou regras internas para conceder o empréstimo, a coluna voltou a procurar o BNDES, questionando se o banco teria realizado algum tipo de auditoria sobre o financiamento. Nesta terça (10), a assessoria informou à coluna que "no momento o BNDES não vai fazer comentários adicionais sobre a operação da Torke".


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