Folha de S. Paulo


Brasil foi cobrado por não ter lei contra financiamento ao terror

Na semana passada, o mundo ficou estarrecido com mais um ato brutal de terrorismo. Empunhando fuzis, os irmãos Said e Chérif Kouachi invadiram a redação do jornal "Charlie Hebdo", em Paris, e mataram 12 pessoas. O governo francês acredita que os dois receberam instruções de células terroristas, mas ainda não tem certeza se agiram em nome de alguma organização maior, como a Al Qaeda ou o Estado Islâmico.

Um dos pontos centrais das investigações conduzidas pelas autoridades francesas é mapear como e quem financiou os irmãos Kouachi. Como eles compraram aqueles fuzis? Com que dinheiro? Na França e em todo o mundo civilizado –e até mesmo em muitos recantos não tão civilizados assim–, financiar o terrorismo é crime, com tipificação penal prevista em lei específica. Mas no Brasil, não. É difícil de acreditar, mas o Brasil não tem lei com tipificação penal contra o financiamento do terrorismo. Estamos juntos de países como Irã, Coreia do Norte, Líbia e Somália. Nações que dispensam comentários.

O Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo tem 34 países membros. O GAFI/FATF tem como missão desenvolver e promover políticas nacionais e internacionais de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo. Todos os seus membros têm leis contra o financiamento ao terror. Menos o Brasil. E não foi por falta de aviso e cobrança.

O Brasil é muito bem avaliado internacionalmente no combate à lavagem de dinheiro. Mesmo dispondo de poucos recursos humanos e material, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) desenvolveu um sofisticado sistema para identificar transações financeiras atípicas e suspeitas.

Muitas das investigações que culminaram na descoberta dos grandes esquemas de corrupção que marcaram o país nos últimos anos, como o mensalão e a Operação Lava Jato, começaram ou foram impulsionadas pelo trabalho do Coaf.

Mas no combate ao financiamento do terror, o Brasil passa hoje por uma situação vexatória perante a comunidade internacional.

Em junho de 2010, o GAFI fez uma avaliação das iniciativas do Brasil em relação aos dois temas, combate à lavagem de dinheiro e financiamento ao terror. Foram analisados 40 itens. O país foi bem no primeiro tema. No segundo, foi mal avaliado, sobretudo por não dispor de lei sobre o assunto.

De lá para cá, o Brasil foi insistentemente cobrado. E nada. Em agosto do ano passado, o GAFI mandou uma carta para o ministro Guido Mantega (Fazenda) questionando-o sobre as iniciativas do governo para promulgar uma lei. Como não obteve resposta, na reunião de outubro o GAFI decidiu enviar para o país missão de alto nível.

Os membros da cúpula do GAFI, presidido pelo australiano Roger Wilkins, devem vir ao Brasil até abril. Devem procurar os ministros da Fazenda e da Justiça e os presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal. Querem convencê-los da importância de se ter uma lei contra o financiamento do terror.

"O Brasil hoje é reconhecido internacionalmente pelos avanços que fez no combate à lavagem de dinheiro, como a nova lei aprovada sobre o tema em 2012. Mas, infelizmente, somos vistos negativamente no combate ao financiamento do terrorismo", disse à coluna o presidente do Coaf, Antonio Gustavo Rodrigues.

O Brasil é tido como uma nação pacífica. Não significa, contudo, que esteja imune a ações terroristas. Pode não ser alvo de ataques associados ao islamismo radical, mas pode servir de meio para o financiamento de tais atos em outros países. Há muitos anos os Estados Unidos suspeitam desse tipo de atividade na tríplice fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai.

Não ter uma lei sobre o tema pode ter consequências concretas para o Brasil. Num caso extremo, o país pode ser excluído do GAFI. Empresas brasileiras podem ter dificuldades, por exemplo, para fazer transações financeiras no exterior. Os cidadãos podem encontrar resistência de bancos estrangeiros para enviar recursos para fora o exterior.

Até Cuba, para citar um país que a presidente Dilma Rousseff gosta de mencionar como exemplo em determinadas situações, tem lei contra o financiamento do terrorismo.


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