Folha de S. Paulo


Reaproximação dos EUA com Cuba tem futuro em suspenso até a eleição

Hoje a pergunta que mais se faz no mundo é quem, dentro de três dias, será o novo presidente dos EUA.

Da resposta que darão os eleitores americanos dependem muitas coisas de enorme importância, não apenas para seu próprio país, mas para o resto do planeta.

E, embora as pesquisas ofereçam a muitas pessoas a esperança, relativamente tranquilizadora, de que Hillary Clinton parece ser a candidata com mais chances de vencer, já sabemos o que pode acontecer com as pesquisas. Lembre-se da Colômbia.

Renata Borges/Renata Borges/Editoria de Arte/Folhapress
 Ilustração de Renata Borges para coluna de Padura 05 de novembro de 2016

Para Cuba, envolta em um processo que visa a normalização das relações restabelecidas com o vizinho do norte, o resultado do jogo eleitoral americano apresenta-se como um dilema do qual pode depender, e muito, o destino de curto prazo do país –talvez também de longo prazo–, e em todas as áreas possíveis: econômica, política, social (migratória, por exemplo).

O processo de aproximação entre os dois países –iniciado em 2014, coroado há alguns meses com a visita de Obama a Havana e levado a um ponto explosivo com a inteligente abstenção da delegação americana na votação das Nações Unidas do pedido cubano de levantamento total do embargo comercial que pesa sobre a ilha–, tem todo seu futuro em suspenso até 8 de novembro...

E depende do que depois decida fazer o novo inquilino da Casa Branca: levar adiante, acelerar, suspender, rejeitar a corajosa e pragmática política de aproximação realizada por Obama.

Para o governo e o povo cubanos, o tema da continuação, do enfraquecimento (já iniciado por Obama) ou da eliminação total do embargo encerra conotações que chegam até a dignidade nacional.

Mas, entre todas elas, as limitações comerciais e financeiras que essa lei norte-americana acarretou e continua a acarretar são, sem dúvida, as que pesam mais hoje em um país que procura fazer alguns reparos a um sistema econômico que ainda não encontrou o caminho da eficiência e da produtividade.

Um eventual levantamento do embargo pode significar um empurrão contra esse muro interno, condicionado pelo externo, que se nega a cair: porque, apesar das reformas, a economia cubana não cresce como é preciso, não consegue se revolucionar.

Nas últimas semanas, o assunto que ganhou mais espaço na imprensa oficial cubana foi o tema do bloqueio e da necessidade de revogá-lo.

Muitas contas foram feitas do que o país perde devido a essa política e do muito que poderia ganhar com sua eliminação.

Todo o problema econômico nacional cubano, ou quase todo, tem sido visto desde essa perspectiva, dando a impressão de que o levantamento do embargo será para o país como aquele bálsamo russo, creio que chamado Shostakovich ou algo semelhante, que com duas colheradas curava as úlceras estomacais. Uma poção mágica, mas que tinha o mais horrível dos sabores.

Se o novo presidente norte-americano optar por uma política de aproximação maior com a ilha vizinha e conseguir também que o Congresso concorde em desmontar o aparato legal do embargo, as empresas americanas de todo tipo terão a possibilidade de atravessar o estreito da Flórida e abrir seus escritórios e indústrias em Cuba.

Mas será que o governo cubano aceitará essa previsível invasão de inversões na ilha? Apostará numa abertura de seu mercado interno, ao mesmo tempo em que cheguem às cidades e praias do país vários milhões de turistas do norte desejosos de conhecer a ilha vizinha, mas de tomar sua Coca-Cola e comer seu McDonald's de sempre?

A resposta previsível, por ora, é que ele não aceitará esse novo cenário, assim como já não aceitou outras propostas comerciais por considerá-las no mínimo uma ingerência, como foram qualificadas as mais recentes medidas de aproximação firmadas por Obama poucos dias antes do histórico voto de abstenção nas Nações Unidas.

Contrariamente ao que alguns podem ter previsto depois do início das conversações entre Washington e Havana, nunca desapareceu da parte americana o objetivo maior de conseguir uma mudança radical no sistema político cubano, enquanto o discurso cubano de reduto sitiado e de rejeição a qualquer indício de imperialismo se manteve quase intacto como forma de propaganda oficial e de política nacional e internacional.

Hillary ou Trump? Continuidade ou ruptura? Aceitação ou recusa cubana de uma possível aproximação mais intensa e profunda? Todas essas e muitas mais são as cartas que estão sobre a mesa hoje e que, mais ou menos, nos permitem entender o jogo.

Mas será que todas as cartas já estão expostas? Ou haverá algumas, possivelmente as decisivas, enfiadas debaixo do tapete para serem postas em movimento pelos atores políticos que serão os novos rostos das decisões governamentais dos dois países? Lamentavelmente, mais uma vez a resposta está no vento –e também no tempo.


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