Folha de S. Paulo


Distância curta, tempo longo

O mês de agosto chegava ao fim e um avião da companhia aérea norte-americana Jet Blue, pilotado por dois oficiais cubano-americanos e com 220 passageiros a bordo, aterrissava no aeroporto da cidade cubana de Santa Clara, no centro da ilha, onde era recebido do modo como era de praxe festejar acontecimentos especiais em aeródromos: com um banho de água lançada das mangueiras rotatórias usadas para apagar incêndios.

O motivo do festejo não podia ser mais justificado: a aterrissagem do Jet Blue 387 era o primeiro voo comercial a Cuba de uma empresa aérea americana em 55 anos, depois de essa travessia ter sido cancelada em meio a todas as rupturas e os bloqueios ordenados pelo governo dos EUA naqueles tempos de máxima hostilidade, guerra fria, cancelamento de relações diplomáticas e decretação de embargo comercial. Depois desse avião da Jet Blue virá a avalanche que, por enquanto, vai trazer mais de 135 voos semanais para a ilha vizinha, provenientes de várias cidades americanas, enquanto fala-se em alcançar uma frequência de 20 voos diários para Havana.

Renata Borges/Folhapress
Ilustração Padura 10.set

A concretização desse acordo entre os governos de Cuba e dos Estados Unidos, em meio a seu processo de possível normalização das relações econômicas e políticas, é sem dúvida o primeiro a estender seus benefícios concretos a uma parte importante da população cubana residente de um e outro lado do estreito da Flórida. Segundo foi dito, as tarifas desses trajetos vão cair mais de 50% em relação ao preço pago hoje por passagens em voos fretados (uns US$ 500 pelo trajeto Havana-Miami-Havana, de apenas 42 minutos de duração). Com isso, os cubanos que viajam para visitar os Estados Unidos e os muitos cubanos residentes na América do Norte que viajam à ilha poderão fazê-lo mais frequentemente, e gastando menos.

Mas um ruído estranho ainda se ouve neste novo panorama de conexões aéreas entre os dois países: nenhum cidadão americano vai poder ir a Cuba na condição de turista, porque a lei do embargo, que ainda está em vigor, assim o estipula. Só poderão beneficiar-se desses voos os cubano-americanos e os norte-americanos que fazem parte de alguma das 12 categorias aprovadas pelo governo americano para viajar ao país ex-inimigo (licenças religiosas, acadêmicas, esportivas, etc.).

Mesmo assim, um efeito imediato do novo panorama será o aumento das viagens aos Estados Unidos de cubanos residentes na ilha com vistos norte-americanos múltiplos ou portadores de passaportes espanhóis (várias centenas de milhares), que vão intensificar o negócio da importação de artigos adquiridos nos Estados Unidos (especialmente roupas) e trazidos a Cuba para serem vendidos no mercado negro. Porque, apesar dos preços das bagagens, das fortes restrições alfandegárias cubanas (que incluem o pagamento em divisas de todo bem importado que não seja considerado artigo de uso pessoal e que não ultrapasse ao todo 30 quilos de peso) e da proibição de vender artigos industrialmente manufaturados nas pequenas lojas privadas que hoje existem em Cuba, esse tráfico continua a ser lucrativo, graças à demanda existente na população cubana, devido ao desabastecimento ou abastecimento insuficiente das lojas estatais que vendem mercadorias em dólares.

Mas com a garantia de um fluxo grande de viajantes dado por esses "importadores" de roupas e quinquilharias (viajantes conhecidos como mulas, apesar de não praticarem o narcotráfico), mais os cubanos que fazem visitas familiares e os americanos autorizados a vir para Cuba, parece que o aparato todo montado pelas empresas aéreas comerciais está fazendo uma aposta clara: a de manter as portas abertas para uma esperada abundância de turistas que pode acontecer com o levantamento definitivo do embargo ou com outro enfraquecimento dele que pode acontecer se for abolida a proibição de esses cidadãos viajarem a Cuba como simples turistas. Pois, como diz o velho refrão espanhol, "quando o rio soa, é porque traz pedras".

Enquanto isso, os aeroportos da ilha, especialmente os de Havana, observam impávidos e subdesenvolvidos o presente e o futuro. Se hoje, entre a chegada de um passageiro ao aeroporto e sua saída para a rua a espera pode chegar a ou até ultrapassar duas horas, em uma sala sem assentos, com pouco ou nenhum ar-condicionado, sem uma máquina de venda de água, com centenas de pessoas disputando um espaço para alcançar suas bagagens que demoram para chegar... como será se a avalanche previsível se concretizar? Espero que os encarregados de resolver estes problemas pelo menos se façam essa pergunta. E, se não for muito para lhes pedir, que se proponham a fazer alguma coisa. Esses voos comerciais abrem a possibilidade de um negócio que vai beneficiar a todos.


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