Folha de S. Paulo


E quando os americanos chegarem?

Um amigo me manda um e-mail e diz que o encontro com outro amigo (que vem justamente do Brasil) será na hora já marcada, porém em um local ainda desconhecido. Não são técnicas da clandestinidade: é que todos os hotéis de Havana estão lotados hoje.

Isso acontece apenas alguns dias depois de o presidente Barack Obama ter anunciado a generosa ampliação das licenças de viagem para os cidadãos americanos que queiram visitar a ilha. Essa possibilidade foi vetada a muitos residentes do país durante meio século, como parte das restrições impostas pelo embargo. Mesmo assim, nas últimas décadas, milhares de americanos passaram por Cuba, graças a autorizações de caráter acadêmico, religioso ou familiar.

Os anos de distanciamento político, os eternos mitos do rum, do tabaco e da música de Cuba, a proximidade e segurança que a ilha oferece aos visitantes e até o fascínio mórbido por visitar um país onde o sistema comunista ainda sobrevive, esses serão alguns dos atrativos que sem dúvida levarão milhares de americanos a viajar a Cuba. E a previsão é que sejam tantos os atraídos que, dos 3 milhões de turistas por ano que a ilha recebe hoje, ela possa chegar a acolher 5 milhões. Mas, se essa avalanche acontecer, onde colocar todos esses visitantes?

Nas últimas duas décadas, Cuba apostou no desenvolvimento de seu setor turístico e multiplicou várias vezes a capacidade hoteleira existente em 1990, embora a tenha orientado sobretudo para um turismo de "sol e praia", fora das cidades. A luta empreendida então foi para alcançar 1 milhão de turistas; depois foi fixada a meta de alcançar 2 milhões, e, em 2014, finalmente, chegou-se ao sonho dos 3 milhões. E agora começa o pesadelo dos 4 milhões ou 5 milhões, que nem mesmo os mais otimistas previram.

Cuba precisa de um vigoroso processo de renovação de sua infraestrutura em muitos setores: comunicações, transportes, rodoviário e, evidentemente, a rede hoteleira. Também uma agilização e aumento das importações dos insumos que os visitantes vão exigir. E o turismo pode representar justamente uma fonte de capital novo que ajude o país a alcançar esses fins, razão pela qual o aumento previsível dos turistas é boa notícia, ao mesmo tempo em que é uma dor de cabeça para o Estado, dono absoluto ou majoritário das instalações turísticas do país e responsável máximo por seu abastecimento.

Agora, quando se tomam as decisões e se fazem os investimentos possíveis, uma tábua de salvação serão os locadores particulares de quartos que se multiplicaram em todas as cidades. Eles e os donos de restaurantes também particulares podem ganhar muito com a nova conjuntura. Enquanto isso, esperemos para ver como o país se organiza para receber uma quantidade de visitantes para os quais não parece haver lugar nem nos aeroportos nem nos hotéis, nem automóveis nas frotas nem comida nos supermercados, estatais, é claro.


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