Folha de S. Paulo


Cuba-Estados Unidos: um ano depois

As grandes emoções já passaram a fazer parte da memória. Há justamente um ano a ilha de Cuba, de sua ponta ocidental até seu extremo oriental, foi sacudida por aquela que foi uma das notícias mais explosivas de 2015: Cuba e Estados Unidos anunciavam o início de um processo de diálogo para restabelecer suas relações diplomáticas, rompidas mais de meio século antes.

Depois tiveram início as sondagens, e em meados deste ano foram tomadas as grandes decisões: em Washington e em Havana foram içadas as bandeiras dos respectivos países nos edifícios que voltaram a converter-se em embaixadas, os chanceleres dos dois governos assistiram a um ato simbólico e concreto, também carregado de emoção, e as relações diplomáticas foram restabelecidas.

Embora eu não esteja a par dos detalhes, imagino que as conversas mantidas nesse período tenham sido intensas e tensas. Isso porque, apesar da desproporção dos poderes, as duas partes devem ter saído para a arena como touros bravos, cada uma disposta a conquistar o que via como questões de princípio: Cuba, sua soberania e o reconhecimento de seu sistema sociopolítico; Estados Unidos, sua intenção de, apesar das mudanças nas relações diplomáticas (ou ainda mais, contando com essas mudanças), conseguir uma Cuba política e economicamente diferente.

Mas a disposição política de alcançar um consenso, ao que parece sustentada por um e outro lado, parece ter falado mais alto. E, apesar das divergências, conquistou-se o acordo. Muito contribuiu para isso o gesto da troca de prisioneiros com que se deu início à aproximação. Depois, deve ter sido decisiva a ordem do presidente Obama de tirar Cuba da absurda lista de países patrocinadores do terrorismo, em que ela tinha sido colocada. Finalmente, a compreensão pela parte cubana de que a revogação do aparato jurídico e de pressão representado pela lei do embargo exigia outras negociações, vontades e tempos, e que era necessário avançar, apesar de sua persistência cansativa.

Aplainado um trecho tão importante do caminho, as intenções de um e outro país começaram a mover-se por esse novo caminho. Depois do secretário de Estado John Kerry, passaram por Havana numerosas personalidades de escalão maior ou menor, de maior ou menor importância política ou econômica. Entre esses exploradores, passaram pela ilha duas pastas muito importantes do gabinete de Obama: a secretária do Comércio, Penny Pritzker, e o secretário da Agricultura, Thomas Vilsack -ou seja, as duas pontas de lança de uma possível relação comercial mais fluida entre os dois países desejosos, um, de vender -os Estados Unidos–, e o outro -Cuba- de fortalecer sua economia e modernizar sua infraestrutura. E embora não tenham sido tomadas grandes decisões (o embargo ainda limita as possibilidades), as intenções antes declaradas parecem claras, embora desconheçamos os pormenores que, com certeza total, foram discutidos durante essas visitas.

Enquanto oficialmente os norte-americanos não podem viajar a Cuba como turistas (novamente o peso do embargo), a cada dia chegam à ilha centenas de visitantes americanos amparados por licenças culturais, acadêmicas, religiosas, etc., que lhes permitem chegar para farejar o ambiente ou simplesmente para tomar um daiquiri no lugar onde Hemingway costumava tomá-los (em grande quantidade).

Mas os cubanos comuns, que muito se animaram com o restabelecimento das relações entre os dois países que por tanto tempo se enfrentaram, ainda esperam pelos resultados concretos e cotidianos que os ajudem a melhorar suas vidas, como sonharam que aconteceria graças ao novo cenário aberto há um ano. E, se ao nível político vem sendo um alívio sentir como se reduz a tensão há tanto tempo imposta sobre o estreito da Flórida, e se ao nível econômico alguns pequenos empresários donos de restaurantes e hotéis situados na zona turística viram sua receita aumentar com as ondas de viajantes norte-americanos, a verdade é que, para a população maior, a tão ansiada melhora não aliviou a difícil situação em que vive a maioria dos habitantes da ilha. Eu me atreveria inclusive a dizer que a conjuntura econômica das famílias se agravou mais nestes meses, a julgar por algo tão fundamental quanto a alta dos preços dos alimentos.

Talvez seja por isso -ou também por isso-que centenas, talvez milhares de cubanos saem da ilha a cada dia em uma busca pessoal e familiar por uma solução para suas carências, de um horizonte mais claro para suas expectativas e seus projetos de vida. E, por enquanto, aproveitam a sobrevivência da lei de ajuste cubano, que lhes permite ser recebidos em qualquer aeroporto ou posto de fronteira dos EUA, para iniciar um trâmite migratório rápido que lhes garanta no prazo de um ano a autorização de trabalho e a residência nos Estados Unidos. Com essa vantagem, eles se lançam em busca dessa meta pelos caminhos mais insólitos e até perigosos. A melhor prova dessa opção é a criação, nas últimas semanas, de uma crise humanitária e migratória na fronteira da Costa Rica e Nicarágua, crise que não conseguiu ser resolvida por nenhuma das partes e que vem se agravando há dias com a chegada de mais migrantes cubanos (já andam em torno de 5.000), com a piora de suas condições de refugiados temporários.

Mas a última gota na situação desencadeada pelos temores cotidianos dos cubanos veio de outro lado: a nova situação política criada na Venezuela leva muitos a temer pela possível perda da relação salvadora que até agora tem vindo de Caracas, convertida na principal parceira comercial de Cuba e sua mais sólida aliada política.

Um ano depois da grande notícia, embora para muitos cubanos nada tenha mudado, na realidade mudaram muitas coisas. E, enquanto uns esperam que os benefícios da recuperada relação com os EUA finalmente cheguem e desçam das alturas, outros resolvem não esperar e se lançam em uma busca arriscada e dura de uma solução que decidiram procurar por seus próprios meios, porque o tempo vital das pessoas não costuma ser o dos países, e, menos ainda, o da história.


Tradução de CLARA ALLAIN


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