Folha de S. Paulo


Você já foi a Cuba?

Aproxima-se a data da chegada do papa Francisco a Cuba. A visita já é considerada histórica, porque acontece no calor das recém-recuperadas relações diplomáticas entre Cuba e Estados Unidos, um processo de aproximação no qual o bispo de Roma parece ter tido uma participação decisiva e do qual ele quer estar mais próximo com sua presença física nos dois territórios, antigos adversários, agora em vizinhança mais cordial.

Coincidindo com a chegada do Sumo Pontífice, chegarão a Havana milhares de viajantes (a delegação vaticana e muitos religiosos; jornalistas de todo o mundo, peregrinos e curiosos) que farão de Cuba, por esses dias, um dos centros de atração universal.

Mas é que viajar a Cuba, como o papa fará, está definitivamente na moda. Como eu disse em outro comentário, o degelo das relações entre Washington e Havana é parcialmente responsável por esse aumento do interesse pela ilha, pois há muitos que viajam para ver o que ainda é o país que, segundo pensam, em pouco tempo deixará de sê-lo, diante do impacto de uma relação econômica e social mais fluida com seu avassalador vizinho do norte.

Outros viajam pelas mesmas razões de sempre: um ambiente de segurança para o visitante, um clima maravilhoso, um sistema social cheio de peculiaridades e resquícios do século passado, homens e mulheres belos que, além disso, muitas vezes são cultos e gentis. Quase um parque temático.

A tendência de alta do mercado turístico cubano é confirmada por dados recentes segundo os quais 2,1 milhões de turistas haviam visitado o país até julho deste ano. Em julho, chegaram 266,8 mil visitantes, um aumento de 26% em relação ao mesmo mês do ano anterior.

Assim, se em 2014 Cuba pela primeira vez alcançou o número de 3 milhões de visitantes de outros países, este ano deve superar com folga essa cifra, já considerável para as condições físicas do país.

A informação consultada não esclarece se os números divulgados incluem os norte-americanos que passaram por Cuba nos mesmos meses, pois não são considerados oficialmente turistas, e sim visitantes vindos com licenças especiais concedidas por seu governo (acadêmicas, religiosas, comerciais...).

Seja como for, a aparentemente iminente revogação da lei que impede os americanos de fazer turismo na ilha socialista vai acrescentar números importantes às cifras já citadas. Quantos estrangeiros poderão vir a Cuba? Quatro, cinco ou seis milhões, como apostaram alguns?

A partir desses números concretos e de previsões nada descabidas, o que vem acontecendo em um país que até John Kerry e o Papa visitam (será que Obama também virá?) gera algumas perguntas do tipo mais comum e corrente: onde esses visitantes vão se hospedar, se uma cidade como Havana já tem seus poucos hotéis quase sempre lotados?

O que acontecerá nos aeroportos cubanos se, hoje, alguém que acaba de desembarcar no de Havana precisa esperar duas ou até três horas em condições bastante inóspitas para recuperar sua bagagem?

Haverá água engarrafada suficiente para matar a sede de tantas pessoas, quando às vezes ela falta nos mercados estatais que vendem por divisas e onde às vezes tampouco há cervejas cubanas, apenas hondurenhas?

A economia cubana precisa hoje de duas coisas fundamentais: precisa que chova muito e precisa de muito dinheiro. O turismo parece garantir para este ano uma receita de US$ 2,7 bilhões.

Quanto disso será reinvestido no desenvolvimento desse mesmo setor, na modernização de infraestruturas tão básicas e vitais quanto esses aeroportos, onde o recém-chegado desmaia em longas esperas sem poder sequer comprar uma garrafinha de água?

Quem sabe com a mediação do Papa a carência de chuva de que sofre o país apresenta alguma melhora. O resto... O resto depende de muitos fatores, e o primeiro deles é a capacidade dos estrategistas cubanos de desenvolver uma dinâmica econômica e de investimentos eficiente e atraente pela qual o país clama –uma eficiência e um realismo que oxalá cheguem logo, para o bem de todos.


Endereço da página: