Folha de S. Paulo


Cuba, o que é que tem Cuba?

Com a visita pastoral do Papa Francisco no horizonte e com a expectativa de que a qualquer momento, e depois de mais de cinco décadas, a bandeira dos Estados Unidos volte a tremular sobre a sede diplomática do país em Havana, a capital cubana se converteu em uma espécie de encruzilhada à qual acorrem gregos e troianos.

Todos têm propósitos específicos, mas todos estão interessados na mesma coisa: estar perto da ilha nesse momento em que Cuba se converteu em uma espécie de passarela social e política com caminhos que conduzem à América Latina, à África, a uma Europa que está recompondo suas relações políticas com Havana e aos Estados Unidos, que estão dando uma reviravolta notável em sua posição política e possivelmente econômica com relação ao seu pequeno e problemático vizinho de baixo.

Adalberto Roque/AFP
Cubanos celebram partida de futebol entre a seleção local e o New York Cosmos em 2 de junho
Cubanos celebram partida de futebol entre a seleção local e o New York Cosmos em 2 de junho

Agora, o ministro do Exterior da Alemanha chegou à ilha, em uma aproximação que jamais havia acontecido nesse nível de governo. Ainda estão na atmosfera as visitas do presidente francês, François Hollande e do presidente salvadorenho, Salvador Sánchez Cerén, e a pista do aeroporto de Havana recebe a cada dia algum político norte-americano (já não importa muito se democrata ou republicano), ou talvez um ministro espanhol ou dirigente latino-americano. Além de uma avalanche de jornalistas.

Além dos gestos políticos, simbólicos ou concretos que essas visitas possam abarcar, o que mais elas podem oferecer?

Não se trata de uma potência econômica, como bem sabem todos, e nem mesmo do atraente mercado que alguns otimistas tentam apresentar (pois ainda que faltem muitos produtos, dos 11 milhões de cubanos não são muitos os que poderiam praticar o consumismo, já que suas economias pessoal não são exatamente prósperas), e as riquezas naturais do país não são tão abundante para que se as dispute como nos tempos da conquista do velho oeste.

E se o exposto acima não basta, apesar de o governo cubano ter apresentado uma nova lei de investimento estrangeiro que parece menos restritiva que a versão anterior, e de as obras do porto de Mariel conferirem melhor capacidade comercial ao país, até o momento não se produziu a avalanche de investidores que alguns previram: nem a nova lei parece assim tão magnética e nem Mariel é o Eldorado...

No nível da sociedade cubana, no qual vivem os 11 milhões de seres mencionados acima, esses movimentos políticos de alto nível e as pretensões econômicas potenciais não provocaram modificações importantes.

É certo que existe mais mobilidade social e econômica nos últimos anos, como fruto das reformas empreendidas pelo governo e, mais recentemente, do incremento no número de turistas, entre os quais muito mais visitantes norte-americanos. Mas também é certo que, embora um restaurante privado nas zonas privilegiadas da cidade possa faturar quantias notáveis (para Cuba), o resto do país, ou seja, a maioria dos cubanos, não parece estar vivendo melhor (o valor real dos salários é drástico e revelador quanto a essa certeza), de acordo com a minha experiência diária e empírica.

Há alguns dias, por causa de uma filmagem que realizamos no meu bairro (popular e periférico), o estado de deterioração física de muitas pessoas e de incontáveis imóveis e ruas chegou a me alarmar, por ter chegado a um desgaste que nunca, em meus quase 60 anos de vida, eu havia observado de maneira tão dramática e chocante.

E daí? Daí a razão mais visível para esse interesse renovado por estar perto da ilha do Caribe talvez seja, exatamente, aquilo que poderia ser mobilizado por uma relação econômica mais aprazível com os Estados Unidos, e pelo surgimento de um relacionamento econômico e comercial ascendente, sobretudo se desaparecerem as limitações que a existência da lei de embargo impõe.

Mas podem existir razões invisíveis. Quais? Minha capacidade de adivinhação não chega tão longe. Se existem ou podem existir, veremos em um futuro mais ou menos próximo... Enquanto isso, o fluxo de visitantes notáveis não para e, a menos que aconteça alguma virada imprevista, tudo parece indicar que não se deterá - bem pelo contrário

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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