Folha de S. Paulo


Cuba depois do 17-D

Enquanto me preparo para viajar ao Brasil e participar da Feira do Livro de Canoas, no Rio Grande do Sul, e da renomada Flip, em Paraty, quase todos os dias paro para dar entrevistas a algum jornal, revista ou emissora de rádio —local ou nacional— brasileiro, compromisso que assumo com seriedade e respeito aos meus colegas jornalistas e aos supostos leitores dessas entrevistas —e espero que também de meus livros.

É curioso, porém, que em todos os interrogatórios a que fui submetido —e ainda faltam alguns antes da viagem, e haverá outros durante minha estada física no Brasil— sempre surge uma pergunta que parece mobilizar a curiosidade coletiva; e ela se relaciona ao que aconteceu em Cuba assim que os presidentes Raúl Castro e Barack Obama anunciaram o acordo para iniciar conversações com o objetivo de restabelecer as relações entre Cuba e os Estados Unidos, rompidas há mais de meio século.

Para muitos, a curiosidade política e social que o anúncio provocou é concreta e se limita ao que pode ter ocorrido. Para outros, é um convite a uma previsão do futuro, pois lhes interessa saber o que acontecerá. E para outros mais, é algo já definitivo, concluído, o que inclui a revogação da lei do embargo —embora não se saiba quando isso vai acontecer, porque ainda não está decidido quando serão restabelecidas as tão alardeadas relações diplomáticas, o primeiro passo em todo processo de normalização dos elos entre dois países...

Minhas respostas, presumo, terão sido pouco satisfatórias para os entrevistadores, pois o certo é que depois do retumbante anúncio de 17 de dezembro aconteceram muitas coisas, mas talvez tenham ocorrido poucas daquelas que os jornalistas gostariam que acontecessem.

Explico.

Aconteceu, entre as mais notáveis, o intercâmbio de prisioneiros que acompanhou o anúncio dos presidentes, o que representou um ato que quebrou o gelo e demonstrou a vontade mútua de entendimento; aconteceu o início de conversações para o restabelecimento de relações, e, como fruto delas, Cuba foi retirada da lista de países patrocinadores do terrorismo, uma dura condenação unilateral que o país jamais deveria ter sofrido; aconteceu que, com as novas licenças para viajar, começou a chegar à ilha uma quantidade maior de visitantes norte-americanos; aconteceu, por fim, que um banco norte-americano decidiu aceitar contas dos integrantes da seção de interesses cubanos radicada em Washington; e, entre as demais coisas que aconteceram, houve uma partida amistosa entre a seleção de Cuba e o Cosmos, de Nova York, graças à qual viajou a Cuba o lendário e inexpugnável Pelé; e, sobretudo, aconteceu um encontro cordial e sorridente entre Obama e Raúl na conferência de cúpula do Panamá, onde os dois estenderam ao máximo o ritual do aperto de mão, acompanhado por sorrisos...

Mas, ainda assim, não aconteceu um acordo definitivo quanto à abertura de embaixadas em Washington e Havana, e não surgiram acordos concretos que para Cuba poderiam ser urgentes e muito necessários, quanto a assuntos como as telecomunicações, e nem está previsto quando terminará o embargo e a ilha será aberta a investidores norte-americanos. E, acima de tudo, não ocorreram os efeitos sociais e muito menos literários sobre os quais os jornalistas (e não só brasileiros) me perguntam, porque tudo que aconteceu, e mencionei acima, se produziu em um plano metafísico, formal, ou de alta política... e não no da realidade social na qual vivem os cubanos e da qual se alimentam os escritores.

O certo é que, ainda assim, negócios privados como restaurantes e pousadas já começam a fazer uma colheita lucrativa com os norte-americanos chegados ao país e que, em uma manifestação artística dinâmica, como as artes plásticas, já se veem obras que respondem à nova conjuntura política criada, como a performance de um dublê de Obama que saiu a passeio pelas ruas de Havana ou a chegada de um Elvis Presley para adquirir arte cubana —e ele começou a operação pela compra de uma mulata. Mas, nos demais aspectos da vida social e cotidiana (ou seja, praticamente toda a vida social e cotidiana), a situação continua encalacrada, entre dificuldades e esperanças que engordam e envelhecem, e que às vezes nos parecem eternas e insolúveis...

Assim, enquanto as coisas mudam, nós escritores podemos continuar escrevendo sobre o que até agora nos alimentou e que, para dizer a verdade, não é pouco, e precisamos tentar parecer inteligentes diante de perguntas de tão difícil resposta.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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