Folha de S. Paulo


Porto Rico caminha

Pouco tempo atrás, eu visitei Porto Rico e voltei a comprovar que esse país (e digo "país" com conhecimento político de causa) sempre é capaz de me provocar duas reações fortes: de amor e de surpresa.

Para um cubano, sentir empatia por Porto Rico é uma atitude cultural e historicamente congênita. Acho que não existe um sentimento de confluência, proximidade, irmandade com outro país mais forte que aquele que os cubanos nutrimos por Porto Rico.

E vice-versa.

Muitas razões (e tragédias) de caráter histórico, cultural, étnico e político nos aproximaram através do tempo, e o resultado é que o caráter de cubanos e porto-riquenhos são dois lados de uma mesma moeda. Ou, como diria uma poeta em versos sempre citados, "são de um pássaro as duas asas".

No aspecto pessoal, o que mais admiro nos porto-riquenhos é seu forte senso de pertencimento e independência cultural, por cuja preservação tiveram que lutar muito.

Mais de um século de onipresença econômica, política e também cultural norte-americana não foi capaz de derrotar o senso de identidade nacional dessa pequena ilha, onde se fala, se pensa e se escreve em espanhol, onde se vive, se ama, se dança e se sofre em caribenho.

Sentimentalmente garantido o amor que sinto por Porto Rico, restam então as surpresas com que a ilha costuma me presentear.

Há quase 20 anos, por exemplo, venho encontrando em Porto Rico meus leitores mais constantes e abundantes (fora de Cuba, é claro).

Proporcionalmente, pode ser o país onde mais leitores eu consegui seduzir, e a livraria La Tertulia é, sem dúvida, a que ""sempre proporcionalmente–mais e melhor vende minhas obras.

Nessa última estada, contudo, Porto Rico me surpreendeu com a presença das 400 pessoas que lotaram o Museu Histórico para me ouvir dar uma conferência sobre a literatura cubana.

Um ato no qual, para minha surpresa, entre erratas e piadas, acabei sendo mencionado pela apresentadora do evento como "Pandura" e terminei sendo "Leopoldo" e até "Leopardo", em lugar de "Leonardo". Em Porto Rico, agora, não sei bem como me chamo...

Nessa visita houve outro fenômeno que me surpreendeu.

Na primeira tarde em que estive no hotel situado no bairro de El Condado, adjacente ao Velho San Juan, observei um movimento nas ruas que me pareceu incomum, até que entendi seu caráter: eram pessoas que faziam caminhadas como forma de exercício físico.

O significativo é que não eram dezenas, nem sequer centenas: ao longo do dia, mas em especial no cair da tarde, poderiam ser contadas aos milhares as pessoas que caminhavam em passo rápido ou corriam pelas ruas de El Condado e do Velho San Juan.

Um modismo, uma febre, uma resposta à obesidade que lhes chega do norte? Ou outra forma de resistência cultural por meio do exercício físico? Tenha a origem que tiver, essa caminhada porto-riquenha em massa talvez seja um reflexo de que, se politicamente o país está parado, civilmente ele se move. Porto Rico avança.

Tradução de CLARA ALLAIN


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