Folha de S. Paulo


Quem saiu de Cuba um dia volta?

Recordo sempre, com dor na memória, a tarde de 1968 em que minha família se despediu do tio Min.

Era o irmão mais velho de meu pai, o menos formal de meus tios, e também o meu professor no aprendizado do beisebol. Naquela tarde meu tio estava partindo para uma viagem que na prática não tinha volta, como muita gente o advertiu.

As pessoas que deixavam Cuba para viver nos Estados Unidos não poderiam voltar, pois perderiam tudo: seus bens, sua cidadania, sua pátria. Elas se tornariam apátridas naquele momento, e o tio Min nunca voltou ao país.

Naquela revolucionária década de 1960, nenhum de nós que ficamos na ilha deveríamos manter qualquer relacionamento com os que optavam por partir; manter contato com a mãe, o irmão, o filho exilado era uma atitude contrária aos princípios revolucionários, e portanto inadmissível.

É certo que, pelo final da década de 1970, Cuba e sua diáspora deram um primeiro passo de reaproximação. Foi o início de uma recuperação de relações, ainda que continuasse claro que aqueles que haviam partido não podiam regressar e que o mesmo continuaria a valer para aqueles que planejassem partir. A figura migratória da "partida definitiva" fazia jus a seu nome.

Há uns dois anos, enfim desapareceram algumas das consequências do status de partida definitiva, e foi permitida a repatriação daqueles que assim o solicitem. Houve um avanço na direção de normalidade, se bem que continuemos distantes dela.

Quem permanecer dois anos fora de Cuba sem pisar em território nacional é classificado automaticamente como imigrante e condenado a perder seus direitos de cidadania e sua nacionalidade.

A crise europeia, especialmente árdua na Espanha, causou o regresso de algumas dezenas (ou talvez centenas) de cubanos que se haviam radicado do outro lado do Atlântico. Alguns voltaram para viver de aposentadoria, outros por não encontrar a segurança que pretendiam e, entre as inseguranças, optaram pelas de seu país. Não sei o quanto os trâmites da repatriação foram difíceis, mas ela aconteceu.

Mas agora os cubanos que saíram da ilha e se converteram instantaneamente em apátridas podem voltar em outra condição: a de "investidores".

A lei de investimento estrangeiro aprovada pelo Legislativo cubano decretou que cidadãos de origem cubana residentes no exterior podem vir a Cuba para investir, fazer negócios e obter lucros. Os apátridas podem comprar partes da pátria que eles ou seus pais abandonaram. A condição fundamental para fazê-lo é que tenham triunfado em alguma parte do mundo e disponham de capital suficiente.

Essa lei, como o nome adverte, só contempla a possibilidade de realizar investimentos em Cuba para empresários estrangeiros, entre os quais cubanos que tenham deixado o país. A lei, assim, não dá espaço aos cubanos que permaneceram apegados à sua terra e resistiram a todas as adversidades em seu país.

O máximo a que podem aspirar os cubanos de Cuba é ter um restaurante, um táxi ou uma oficina de conserto de celulares.


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