Folha de S. Paulo


A magia cubana

Como o Brasil, Cuba é um país mágico. E não é apenas pela presença de mitos vivos e atuantes em sua realidade ou pela presença de orixás de origem africana influindo sobre a vida das pessoas. São países mágicos porque neles o ilusionismo como meio de vida faz parte da existência cotidiana das pessoas.

Em Cuba, por exemplo, o governo reconheceu que os salários que paga aos funcionários públicos –algo como 90% dos trabalhadores ativos da ilha– são insuficientes para viver.

E acrescentou que os salários não serão aumentados enquanto não aumentem a eficiência e a produtividade na economia nacional. O que o governo não disse é como se supõe então que as pessoas vivam, se os salários são insuficientes.

Durante minha visita recente ao Brasil, uma colega deste mesmo jornal me contou uma história que exemplifica muito bem como a magia cubana faz multiplicarem-se, se não os pães e os peixes, pelo menos os pesos, para que desse modo os cubanos possam sobreviver, apesar de receberem por sua labuta salários que giram em torno dos 500 pesos cubanos, ou seja, cerca de 20 pesos conversíveis (equivalentes a mais ou menos US$ 25).

A colega em questão me contou que visitava Havana Velha e lhe ocorreu perguntar numa livraria estatal se era possível conseguir alguma novela minha.

Como todo mundo sabe em Cuba, em meu próprio país é impossível adquirir qualquer de meus livros se não se assistir à sua apresentação pública, o chamado "lançamento". Depois disso, os exemplares restantes das raquíticas –numericamente falando– edições desaparecem, como que por artes da magia. E reaparecem mais tarde, no momento oportuno, como salva-vidas saídos do fundo do mar.

Para a alegria da jornalista brasileira, o funcionário da livraria em questão lhe disse que ela era uma mulher de sorte: ele ainda tinha exatamente um exemplar de meu romance "El Hombre que Amaba a los Perros".
Evidentemente, a jornalista o comprou pelo preço que lhe disse o funcionário e que, por ser uma livraria estatal, ela pensou que fosse o correto: 30 pesos conversíveis. E saiu feliz com sua aquisição.

O que a jornalista não sabia é que tinha sido alvo de um dos atos de magia da arte da sobrevivência cubana, porque o livro em questão custava na realidade 25 pesos cubanos, ou seja, um peso conversível, e com sua aquisição ela tinha duplicado o salário mensal do vendedor de livros.

Todos os dias centenas de milhares de cubanos praticam estratégias de sobrevivência como essa: alguns roubam produtos de seus centros de trabalho, outros cobram para acelerar um serviço ou um trâmite burocrático, outros simplesmente subtraem tempo, todos agindo conforme a máxima de que, se o Estado faz de conta que me paga, então eu (o funcionário) farei de conta que trabalho.

E, de uma forma ou de outra, todos sobrevivem, realizando atos de magia como aquele que multiplicou o preço de um livro que alegrou uma jornalista brasileira e também, pelo menos naquele mês, uma família cubana.


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