Folha de S. Paulo


A Bulgária existe

Da república socialista da Bulgária, costumavam chegar a Cuba, por décadas, latas de repolho recheado com arroz, perfumes de rosas, potes de geleia de ameixa, e muitas notícias sobre o progresso social e econômico do país.

Sobre a Bulgária nos diziam que havia sido uma nação muito pobre, mas que estava em vias de desenvolvimento e prosperidade, graças ao sistema socialista lá vigente.

Quando caiu o comunismo na Europa Oriental, não voltamos a receber conservas, perfumes ou notícias da Bulgária. Subitamente foi como se aquele país "irmão" tivesse desaparecido, tragado por algo semelhante a uma maldição bíblica.

Graças à publicação da tradução búlgara de meu romance "O Homem que Amava os Cachorros", acabo de visitar a Bulgária por uma semana. Mas, nos dias anteriores à minha viagem, sempre que comentava com algum amigo cubano sobre a visita ao país balcânico, a pergunta que me faziam era a mesma: "E a Bulgária existe?"

Com certeza existe, e pude comprovar o fato com meus próprios olhos. É um país com pessoas, edifícios cinzentos, rodovias e muitos problemas. O principal desses problemas é a pobreza, já que a Bulgária é considerada o país mais pobre da União Europeia, o bloco político-econômico ao qual os búlgaros agora pertencem.

A situação búlgara se deve muito a diferentes episódios de corrupção, alguns montados nos níveis mais altos do governo, já que, de acordo com meus interlocutores búlgaros, os políticos tendem a ser gente "reciclada", a maioria dos quais com um passado comunista mais ou menos notável.

Mas a nebulosidade da Bulgária –que não se deve apenas, cabe advertir, à política informativa cubana– é reflexo da frágil estrutura econômica do país. Com muita dificuldade a Bulgária tentou se reposicionar em um sistema produtivo que a afastasse de seu passado comunista tutelado por Moscou, e esse percurso lhe custou um preço alto em termos de desmonte da indústria, crescimento do desemprego, surgimento de máfias, fuga de talentos e outros males.

O interessante seria poder definir exatamente de onde provém a atual conjuntura búlgara. Se é resultado de o país ter pertencido por quatro décadas ao férreo bloco soviético –a Bulgária pretendeu até se tornar uma das repúblicas da União Soviética–, o império que com seus subsídios e formas econômicas deformou as estruturas do país, ou se a responsabilidade deve ser atribuída à estrepitosa chegada da economia mercado, com os males intrínsecos a essa alternativa, que não demonstrou oferecer grandes soluções para muitos países, hoje açoitados pela crise, pelo desemprego e pela falta de expectativa para os jovens.

Ou, ainda, mais complicada e mais tragicamente, se a Bulgária está pagando até hoje por ser o resultado do pior de ambos os projetos econômicos.

De qualquer forma, ainda que em Cuba não se tenha voltado a falar sobre o destino de nossos antigos irmãos búlgaros, o país existe, e muitos de seus cidadãos sofrem a consequência de seu passado e de seu presente e abrigam não muitas esperanças de solução rápida.


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