Folha de S. Paulo


Devagar, Doria: deus e o diabo moram nos detalhes

Fábio Vieira/FotoRua/Folhapress
O prefeito João Doria na sanção do projeto de lei que viabiliza o programa
Doria exibe granulado composto por farinata no lançamento do programa Alimento para Todos

Dito assim, parece uma ótima ideia: empresas de engenharia fazem todas as obras de reparo e manutenção das 32 pontes sobre as Marginais do Tietê e do Pinheiros, ao custo de R$ 300 milhões, e recebem em troca o direito de fazer publicidade em modernas placas luminosas junto ao local das obras. A prefeitura não tira um centavo do caixa.

Esta também é ótima: 30% dos alimentos produzidos pela humanidade são desperdiçados. Inúmeros estudos mostram que se fossem salvos poderiam eliminar a fome endêmica no planeta. Uma das formas de fazer isso é processar as sobras para que não se degradem. Nos anos 1990, o Instituto Ayrton Senna lançou, com o Ceagesp, um programa de aproveitamento de alimentos que até então viravam lixo. Passou a produzir uma sopa, pasteurizada, nutritiva e saudável. Recebeu aplausos de A a Z. Outra forma de preservar é secar, fazer uma farinha, a "farinata".

Mas a complexidade da vida não cabe em um parágrafo. "O bom Deus mora nos detalhes", dizia o pensador alemão Aby Warburg (1866-1929), em uma frase que se tornou ditado universal. Warburg era detalhista como, diz a fama, o prefeito João Doria. Que por isso mesmo deveria cuidar mais dos detalhes dos projetos que sua equipe anuncia. Afinal, boas ideias podem se perder por defeitos no detalhamento.

No caso da "farinha que virou ração", a principal falha foi de marketing: o prefeito anunciou a distribuição do produto antes de torná-lo conhecido da opinião pública, de submetê-lo aos órgãos de controle da burocracia estatal.

No caso das obras nas Marginais, além do anúncio atabalhoado, faltou definir melhor o plano. O tamanho das placas foi estabelecido por chute: não há critério arquitetônico, publicitário ou estético que justifique o tamanho de 6 m x 4 m, originalmente proposto, ou 5 m x 4 m, como ficou após redução proposta pela Comissão de Paisagem Urbana, a CPPU. Não houve testes de impacto das placas de LED sobre quem passa nas Marginais, para medir se elas distraem os motoristas, se a mensagem é captada, se é mais eficiente uma placa maior ou várias menores, etc.

Além disso, trata-se de mais uma entre diversas tentativas de trazer receita rapidamente para a Prefeitura oferecendo concessões e exceções na Lei Cidade Limpa, sem que alguém tenha somado as ideias e calculado qual é o impacto de todas juntas para a paisagem urbana. As iniciativas são anunciadas cada uma por si, sem um balanço do estoque de placas e dos valores oferecidos. Os assessores do Prefeito chamados para esses projetos relacionados à lei Cidade Limpa não são entendidos de publicidade e linguagem visual e acabam sendo exagerados na tentativa de seduzir clientes. Hoje, com a publicidade rara, uma placa na marginal pode valer R$ 30 milhões/ano; com imensos painéis de LED instalados em cada ponte, o preço de uma adicional pode cair substancialmente.

Em resumo, assim como a farinata, a ideia da realizar as necessárias obras nas pontes das Marginais sem gastar dinheiro vivo pode ser boa. Mas faltou paciência para realizar um bom projeto em todos os seus detalhes.

A suspensão do processo pelo TCM é uma oportunidade para a prefeitura melhorar a ideia. E pode ensinar à equipe de Doria que é melhor gastar o tempo na preparação das medidas do que perdê-lo depois dando respostas a questionamentos de TCM, Ministério Público, Justiça ou imprensa.

Afinal, como diz uma variação do ditado alemão, "o diabo se esconde nos detalhes".


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