Folha de S. Paulo


Tirar o 'sujismundo' de dentro de nós

Giovanni Bello - 25.jul.17/Folhapress
Vista do edifício Itália em dia de tempo seco; umidade continuará baixa no início da primavera
Vista do edifício Itália, na República, na região central da capital paulista

São Paulo acordou para o centro e isso é ótimo. O movimento começou há pelo menos dez anos, de forma mais discreta, mas agora se intensifica com o reconhecimento das muitas qualidades das áreas mais antigas da cidade sobre os bairros distantes. Um número maior de pessoas procura imóveis na região central para ficar mais perto do emprego e fugir dos longos deslocamentos de casa para o trabalho.

O Censo de 2010 mostrou que a redução da população na área central, nos trinta anos anteriores, se transformou em um pequeno aumento, de 2,5%. O levantamento de 2020 deve mostrar um crescimento maior: estamos vivendo uma verdadeira revolução urbana nesta década.

A boa notícia é em parte decorrente do fato de que dois grandes responsáveis por empurrar moradores para longe das áreas consolidadas inverteram sua tendência, os governos e o mercado imobiliário. O poder público está desenvolvendo empreendimentos populares no coração da cidade, na Cracolândia, na Luz, na Barra Funda, refutando o modelo pernicioso do programa federal Minha Casa Minha Vida ("meu fim de mundo").

Além do projeto estadual na praça Júlio Prestes, já bem avançado, a prefeitura prepara a construção de outro, duas vezes maior, nas quadras ao lado. Em seguida, Estado e município já têm programado um empreendimento na área da fábrica municipal de asfalto, na Barra Funda. Serão milhares de casas populares numa área servida por tudo que a cidade tem de melhor, transportes, lazer, saúde, educação e sobretudo empregos.

E as empresas privadas dobraram-se ao que seus clientes potenciais vinham buscando e passaram a lançar conjuntos novos ou reformados na área. Como a Folha mostrou, em uma série de reportagens nos últimos dias, até a vizinhança do Minhocão recebe prédios novos.

Morar no centro exige mudanças de comportamento e mesmo de visão de mundo. As casas diminuem, o automóvel dá lugar ao transporte público, o lazer vai de dentro do condomínio para o outro lado da rua, a geladeira se reduz e com isso o volume das compras. E até as refeições passam a ser mais em restaurantes do que na sala de jantar. O resultado é, necessariamente, uma integração maior com a cidade.

Mas quanto mais gente houver, mais claro ficará que os serviços públicos são ruins. A precária limpeza urbana é reduzida no fim-de-semana; as calçadas são uma ameaça à saúde pública; o comércio irregular se apropria dos passeios. E o transporte público precisa melhorar. A tendência natural é reclamar do Estado, pedir que ele resolva essas questões.

Muitos problemas, porém, são causados pelos próprios cidadãos. É o caso da nossa tendência a sujar os espaços públicos, jogando toneladas de lixo, forçando a prefeitura a gastar bilhões com varrição. Há muitos anos deveríamos ter iniciado um programa educativo para tirar o "sujismundo" de dentro de nós. É possível: até cerca de 60 anos atrás, Tóquio tinha problemas graves com a limpeza urbana. Uma campanha para deixar a cidade limpa para as olimpíadas de 1964 mudou a paisagem da cidade e radicalizou o espírito de limpeza de seus habitantes. Na última Copa, os torcedores japoneses recolhendo o lixo das arquibancadas do Itaquerão emocionaram todos os outros torcedores. Por que não sonhar com isso? Em vez do Haiti, Tóquio seja aqui.


Endereço da página:

Links no texto: