Folha de S. Paulo


Londres discute seu 'parque Minhocão'. E São Paulo?

AFP
Uma imagem gerada por computador mostra o design da Garden Bridge, que deverá ficar entre Westminster e a ponte de Londres
Uma imagem gerada por computador mostra o design da Garden Bridge, que deverá ficar entre Westminster e a ponte de Londres

Uma parte da cidade de Londres namora o projeto de criar um grande jardim elevado em uma ponte sobre o rio Tâmisa. Chamada Garden Bridge (Ponte Jardim), deverá ficar entre Westminster e a ponte de Londres (onde recentemente houve atentados terroristas), bem junto a Waterloo, a maior estação de metrô da cidade. Financiado com dinheiro público, o projeto foi produzido por uma fundação criada para esse fim. O objetivo é tornar o parque um foco de atração de visitantes como o High Line, em Nova York, com estimados 7 milhões de visitantes/ano.

Você, como eu, pensou imediatamente do Minhocão? O horroroso viaduto assombra o centro de São Paulo há 46 anos. Construído sem amparo em estudos de demanda (o que havia mostrado que era inútil), a obra serviu como espelho da gestão de Paulo Maluf, nomeado pela ditadura militar, sem contestação possível.

Numa cidade dada a polêmicas, o antes elevado Costa e Silva, hoje elevado João Goulart, conseguiu um raro consenso sobre seus efeitos trágicos. Mas desde o dia seguinte à abertura, os projetos de fechamento esbarram na paralisia dos administradores diante de uma série de medos: de demolir uma obra que custou caro demais; da reação do pequeno time de usuários; de afrontar a ideologia carrocêntrica que dominou a cidade durante o século 20 etc...

Como obra viária, ele tem uma utilidade marginal para o trânsito da cidade, como mostrou um recente estudo da CET. Já expus nesta coluna os números que mostram isso.

Já parques atraem milhares de pessoas. Os afetados pelo fechamento de uma via gritam por um período máximo de 12 semanas (segundo me disse certa vez um grande engenheiro de trânsito, é o maior tempo necessário para absorção de mudanças viárias, mesmo as mais impactantes). Já os beneficiados pelo parque vão usá-lo e lembrar dele para o resto de suas vidas.

O projeto do Parque Minhocão nasceu da iniciativa, absolutamente não-governamental, de um grupo de pessoas reunidas em associação. Elas enfrentam a oposição de muitos moradores que querem acabar com toda forma de barulho sob suas casas, dos carros e de frequentadores do parque.

Keiny Andrade/Folhapress
O Minhocão, no centro de São Paulo; projeto de parque já foi proposto por associação
O Minhocão, no centro de São Paulo; projeto de parque já foi proposto por associação

Um passo importante foi dado agora, como noticiou a Folha, com as primeiras definições técnicas, apresentadas pelo ex-prefeito de Curitiba, Jaime Lerner, contratado para propor intervenções para revitalizar o centro. O coração de São Paulo nunca será inteiramente saudável enquanto não anular aquela excrecência.

Lerner procura atender a gregos e troianos: ao sugerir o plantio de árvores mais altas na lateral da via elevada, ele cria uma barreira para proteger os moradores do som e da curiosidade dos frequentadores.

Há mais um aspecto inovador, ao menos em São Paulo, no que veio a público: construir na parte de baixo da via. Outras capitais do mundo ocupam as partes de baixo de seus viadutos com imóveis comerciais de todo tipo (de restaurantes e lojas de luxo a depósitos e estacionamentos).

Os dois projetos, da ponte londrina e do Minhocão paulistano, esbarram em problemas orçamentários. O prefeito Sadiq Khan disse que não colocará mais um centavo de dinheiro público no projeto.

Falando à coluna sobre o projeto de Lerner, Doria disse: "Só faremos se tivermos investimento privado. Estamos trabalhando nesse sentido". Não é difícil imaginar modelos de financiamento de um parque que poderá atrair milhões de visitantes por ano. O de Londres promete fazê-lo sem cobrar ingressos.

Os londrinos erram ao propor a construção de uma ponte nova para servir de parque: não é o melhor ambiente para a vegetação, exige uma complexa infraestrutura artificial que só se justifica como cirurgia cosmética em um monstrengo. Os modelos de Paris e Nova York são vias elevadas que chocavam a paisagem urbana e foram adaptadas para virar parques agradáveis. A capital britânica fecha cerca de 35 km de vias por ano. Vai chegar o dia de bloquear uma ponte e nesse momento o jardim se tornará a opção natural.

Já São Paulo tem uma situação mais confortável: qualquer coisa é melhor do que um minhocão, como mostram as cidades de Boston, Seul e mesmo Rio de Janeiro, que derrubaram os seus.

Mas é urgente começar a andar para a frente: como qualquer intervenção levará algo como 10 anos, no mínimo, para ficar pronta, alguém precisa iniciar para um dia chegarmos ao fim do Minhocão.


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