Folha de S. Paulo


No Dia do Índio, nada a comemorar, só razões para protestar

Lalo de Almeida/Folhapress
ITAITUBA, PA. 17/06/2016. Indio munduruku navega pelo rio Tapajos proximo a aldeia Sawr Muybu, no Par. Existe um plano do governo federal para construo de vrias hidreltricas no rio Tapaj-s o que atingiria diretamente o territ-rio dos 'ndios mundurukus. ( Foto: Lalo de Almeida/Folhapress, CIæNCIA ) *** EXCLUSIVO FOLHA
Índio munduruku navega pelo rio Tapajós, no Pará

Índios brasileiros e apoiadores britânicos fazem um protesto diante da Embaixada do Brasil em Londres nesta quarta-feira, 19 de abril, Dia do Índio. Vão dizer que as populações tradicionais não têm nada que comemorar no dia consagrado a elas. E tentarão atrair a atenção de quem compra produtos brasileiros no exterior para o sangue indígena que mancha nossas commodities agropecuárias e minerais.

É irônico que, em um regime democrático, protestos desse tipo aconteçam na capital britânica como ocorriam antes, durante a Ditadura Militar, a cada visita de presidente ou representantes do regime. No entanto, chamar a atenção dos países que podem influenciar o Brasil, sempre tão cioso de sua imagem externa, é a única ação que restou diante dos ataques à proteção ambiental e aos direitos indígenas pela atual administração federal com amplo apoio no Congresso.

Desde a ditadura, nunca um governo tomou tantas iniciativas contrárias aos povos tradicionais do país como o de Michel Temer. A avaliação de ONGs e associações indígenas é a de que Temer é coerente com o governo Dilma Rousseff, até então o pior para índios e o meio ambiente. A ruptura entre os dois componentes da chapa reeleita em 2014, embora radical em outras frentes, não ocorreu na política de desmontagem dos direitos indígenas e da política ambiental.

O protesto na sede da representação diplomática brasileira tem o apoio, em Londres, da organização Survival International. Na semana passada, outra entidade, o Observatório do Clima, que reúne cerca de 40 organizações ambientalistas, divulgou um manifesto contra o governo Temer. O texto critica as medidas do Executivo Federal que apressam a desmontagem dos dispositivos consagrados na Constituição de 1988. Chama atenção para a coincidência entre esses ataques às leis de proteção ambiental no momento em que cresce a desmoralização da elite política do país, sob acusações de corrupção.

"Em meio à instabilidade política atual, segmentos do governo e do Congresso avançam rapidamente para desfigurar leis e políticas socioambientais consolidadas a partir da Constituição de 1988", diz o texto chamado "Nenhum hectare a menos!". O manifesto destaca que as medidas ameaçam gravemente as metas que o Brasil assumiu no acordo internacional contra as mudanças climáticas.

Entre as medidas tomadas pelo Congresso, exatamente quando crescem as denúncias contra legisladores, estão leis que reduzem as áreas de preservação ambiental: "Na última terça-feira (11/4), uma comissão do Congresso Nacional retalhou um conjunto de unidades de conservação na Amazônia e na Mata Atlântica, liberando para grilagem 660 mil hectares de terras públicas que haviam sido ilegalmente ocupadas e vêm sendo desmatadas. A redução, sem precedentes, foi inicialmente pedida pelo próprio Presidente da República, Michel Temer, por meio da Medida Provisória 756. Na quarta-feira (12/4), em sete minutos, outra comissão especial do Congresso aprovou a Medida Provisória 758, que reduz outros 442 mil hectares de unidades de conservação na Amazônia –em dois dias, 1,1 milhão de hectares".

Os ataques à legislação de proteção dos índios e do ambiente coincidem também com o aumento vertiginoso na devastação das florestas: "A devastação cresceu 60% nos últimos dois anos, pondo em risco a meta brasileira de chegar a 2020 com uma redução de 80% na taxa, lançando dúvidas sobre a seriedade do compromisso do governo brasileiro com o Acordo de Paris".

O texto protesta também contra a nomeação para o Ministério da Justiça, responsável pela Funai, do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), um "ruralista radical", que "foi o relator, na Câmara, da PEC 215, que viola direitos constitucionais dos índios ao transferir do Executivo para o Congresso a prerrogativa de demarcar terras indígenas".

Preocupados em olhar se o "Japonês da Federal" não bate à sua porta de manhã, o presidente da República e o ministro da Justiça talvez não tenham tempo de acompanhar os movimentos na porta da embaixada em Londres. Mas o passado indica que campanhas internacionais desse tipo ferem tanto os bolsos quanto o moral da elite brasileira. É melhor tomar cuidado agora, antes que sua imagem já abalada por acusações de corrupção passe a ser associada à palavra "genocídio".


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