Folha de S. Paulo


Quem critica Doria por não propor obras beneficia empreiteiras

André Bueno/CMSP
Prefeito João Doria no plenário da Câmara Municipal, durante apresentação do plano de metas

O anúncio do Plano de Metas apresentado pelo prefeito João Doria provocou críticas de setores da opinião pública exatamente ao ponto que deveria ter sido mais elogiado: a ausência de propostas de obras (como corredores de ônibus, CEUs e hospitais). O projeto foi classificado de "tímido" na Folha; pela mesma razão, a ONG Nossa São Paulo disse que precisa "ser aprimorado".

Embora não seja sua intenção, os críticos se pautam por um raciocínio que beneficia empreiteiras de obras públicas e prejudica o contribuinte. Mesmo as realizações mais importantes do poder público podem ser alcançadas sem realizar construções, mas toda construção beneficia empreiteiras.

A obsessão dos políticos brasileiros com a realização de obras é herdeira de um pensamento criado nos anos 1920 pelo presidente Washington Luís (1926-30). Desde então, a ideia que "governar é construir estradas" já condenou à falência gerações de orçamentos nacionais, estaduais e locais. Ao longo das últimas décadas, a ideologia se uniu à corrupção para criar a sociedade despudorada entre governantes e construtoras, que gerou os esquemas revelados pela Operação Lava Jato.

Governar é prestar serviços ao cidadão. E para isso não são necessárias obras, mas ações administrativas. Menos engenharia civil, mais engenharia de produção, logística e administração pública. Claro que isso prejudica as empreiteiras. Mas beneficia o país.

Cito três casos paradigmáticos na área de saúde: os prefeitos Gilberto Kassab e Fernando Haddad prometeram construir três hospitais cada. Ao avaliar que não tinham realizado nem uma parte da meta, os críticos das duas gestões ignoraram a compra de hospitais prontos (Kassab, o São Luiz Gonzaga, no Jaçanã; Haddad, o Santa Marina, na zona Sul). Mas se os usuários do SUS passaram a contar com unidades de saúde que não estavam na rede pública, por que exigir construções novas? Ao cobrar inauguração de hospitais, os críticos beneficiam as empreiteiras.

Agora mesmo, em 2017, a gestão Doria reduziu a fila de exames comprando horas de atendimento SUS em hospitais particulares. Com pouco custo, teve impacto imediato; o dinheiro que gastou mal poderia iniciar a construção de um hospital, que ficaria pronto daqui a no mínimo oito anos. Qual recurso beneficia mais o usuário da rede pública: exames pagos pelo SUS em hospitais existentes ou dinheiro pago a empreiteiras para construir um hospital público?

São Paulo não precisa de mais hospitais, já tem quantidade suficiente. É necessário fazer com que mais entidades atendam usuários do sistema público. O que é inteiramente diferente de construir novos.

Na área de transportes: os melhores corredores de ônibus do mundo são inspirados na cidade de Curitiba. Vá à capital do Paraná e procure achar um grande aparato construtivo em seus BRTs. Não há: parecem avenidas ajardinadas nas quais só passam ônibus. Nos últimos anos, diversas empreiteiras vinham fazendo uma intensa campanha velada para a cidade adotar o metrô. Você sabe o porquê!

Londres está neste momento precisando reduzir o tempo de viagem de seus ônibus. Alguém acha que o prefeito local vai fazer um túnel sob o Picadilly Circus ou passar um Minhocão sobre o rio Tâmisa, como fariam prefeitos brasileiros? Não: vai chamar os melhores técnicos e usar tecnologia para melhorar o desempenho do sistema, sem construir nada.

Em educação: os CEUs são obras faraônicas e demagógicas, que tiram dinheiro da Educação (da sala de aula) para gastar em obras civis. O ensino é igual aos de outras escolas públicas. A cidade tem muitos prédios prontos (ou precisando apenas de reformas) que poderiam sediar escolas públicas. Mas a reivindicação de que sejam CEUs nos condena a construir escolões imensos que, em 20 anos, ficarão subutilizados (estamos produzindo menos filhos e a população estabilizou).

Toda vez que um político disser que precisa de uma construção para resolver uma necessidade pública, esconda a carteira e chame a Polícia Federal. No segundo momento, ele vai buscar uma empreiteira para planejar a obra... e o resto você já sabe.

Se Doria realmente cumprir as metas sem realizar construções, vai mudar um vício centenário dos administradores públicos brasileiros. E isso merece elogios de todos que não sejam empreiteiros.


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