Folha de S. Paulo


O último Natal tranquilo de João Doria

São Paulo é uma máquina de triturar prefeitos. Desde o início das eleições diretas, foram exceção os gestores premiados com a vitória ao final de um mandato: Kassab foi reeleito em 2008; Maluf fez sucessor em 1996. Todos os outros perderam. São tantos grandes os desafios que a percepção de sucesso é muito improvável. Por isso, neste último Natal paisano, o prefeito eleito João Doria deve pedir ao Papai Noel um tranquilo 2021 (ele diz não ser candidato à reeleição). Até lá, vai ser pauleira.

A principal característica da cidade, que Doria logo aprenderá, é que a administração pública é o oposto da empresa privada: a prefeitura não pode ter "foco", como as companhias particulares. Uma estratégia concentrada em uma ou duas áreas deixa todos os outros problemas, frequentemente dramáticos, sem prioridade, com expectativas frustradas.

Foi o que anulou a administração Fernando Haddad: seus sucessos na área de mobilidade não compensaram os fracassos nas demais: saúde, limpeza urbana, habitação popular, moradores de rua etc.

Para atender a expectativa da maioria da população, que o consagrou em primeiro turno, o novo prefeito terá que espalhar cuidados por várias áreas ao mesmo tempo, apesar da crise econômica. Não vai ser mole.

Por isso, à primeira vista parece um risco o congelamento das tarifas de ônibus, que vai sugar cerca de R$ 3 bilhões em investimentos municipais para complementar a diferença entre os custos reais e a arrecadação nas catracas. É muito dinheiro para uma área só, em época de retração.

O prefeito deverá rapidamente implementar medidas que possam reduzir custos enquanto tem popularidade para gastar com medidas impopulares: eliminação dos cobradores, que hoje custam mais do que arrecadam; redução dos benefícios generalizados para estudantes e maiores de 60 anos. Deve também destravar logo a licitação de ônibus, liberada pelo TCM (Tribunal de Contas do Município) às vésperas da eleição, para implantar o novo sistema que prevê melhoria da rede e redução de custos.

Na área de habitação, Doria deve retomar a prioridade para urbanização de favelas, abandonada por Haddad. Barata e socialmente eficaz, a urbanização depende só de dinheiro municipal. Ao mesmo tempo, o programa estadual Casa Paulista aguarda a liberação de alvarás e terrenos da prefeitura para iniciar a construção de milhares de unidades na região central. Um empurrão na burocracia pode reverter em realização de impacto em curto prazo.

Antes da posse, Doria já começou a desamarrar seu programa Corujão junto ao TCM e outras instâncias que poderiam atrasar a implantação. É uma boa medida. Precisa também voltar a abastecer as farmácias públicas com remédios gratuitos, serviço público que a gestão Haddad degradou logo de início e manteve biruta até o fim.

Doria prometeu limpar pessoalmente a praça 14 Bis, com sua equipe toda, logo no dia 2 de janeiro. É um gesto de forte simbolismo. Mas é preciso fazer com que as empresas de limpeza urbana e as subprefeituras reajam rapidamente e façam a limpeza de ruas e áreas públicas, sujas e malcuidadas em toda a cidade.

Se o fizer, além de um bom Natal, podemos ter um ano de 2017 melhor que 2016. Como dizia dom Paulo Evaristo Arns, "de esperança em esperança, o mundo se desdobra aos poucos".


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