Folha de S. Paulo


Levar Ceagesp para Perus é erro que custará bilhões por muitas décadas

Ceagesp
Prefeito Fernando Haddad quer levar o Ceagesp para a região de Perus, na zona norte de São Paulo
Prefeito Fernando Haddad quer levar o Ceagesp para a região de Perus, na zona norte de São Paulo

Começa a campanha eleitoral. Os candidatos já apresentam planos e ideias para os próximos quatro anos. Tentando se destacar, frequentemente lançam bizarrices, algumas irrealizáveis e outras possíveis, que melhor seria se fossem inviáveis.

Os candidatos mais fortes ao segundo turno, a julgar pelo histórico eleitoral paulistano, Fernando Haddad (PT) e João Dória (PSDB), já nos brindaram com duas ideias criadas de costas para a lógica administrativa.

O candidato à reeleição, quer levar o Ceagesp para a zona norte. E Dória tirou da cartola a ideia de privatizar as faixas de ônibus.

O projeto de mudar o Ceagesp para perto do Rodoanel é antigo, exatamente porque é ideia típica do século 20, quando o petróleo era barato, o mundo não conhecia a palavra poluição e nem se calculava o volume de emissões de carbono para decisão de grandes intervenções urbanas.

O sentido da mudança é singelo: transferir problema de um canto para outro. Os resultados, óbvios: vai gerar mais congestionamento no anel viário que já nasceu engarrafado; tira um centro de logística de onde já estava antes do bairro se adensar ao seu redor e o leva para um lugar onde a cidade já está adensada e a população terá que se adaptar. Além disso, a obra tem um claro sentido "autoimperialista" : o Ceagesp sairá da Vila Leopoldina porque o mercado imobiliário de luxo tem interesse nessa região e a classe média dos novos condomínios não quer morar perto de um mercadão. Já a área de Perus, com menor poder aquisitivo e carência de empregos, vai ficar com o mico. É a essência do que urbanistas chamam de "gentrificação".

Os responsáveis pela ideia, iniciativa privada, prefeito Haddad e ministro Blairo Maggi, não falam nem mesmo do aumento do trânsito (gasto energético, poluição, custos) para o comércio interno de São Paulo chegar ao novo entreposto e voltar para todas as regiões da cidade.

Além disso, se fazem de tontos os que propõem dar uso local para o Rodoanel. Ele não é feito para sediar atividades voltadas para dentro da cidade; ao contrário, é exatamente para tirar do centro aquele tráfego que não precisa entrar na capital, que a atravessa apenas porque não tem outro jeito (o caminhão que vai do Mato Grosso para Santos e pega as marginais para chegar à Imigrantes ou quem vai da Bahia ao Paraná e pega a marginal Tietê para chegar da Dutra à Régis). O Rodoanel não é para levarmos coisas da cidade para lá, do contrário logo ele congestiona e as empreiteiras começarão a discutir um Rodo-Rodoanel, mais além desse que ainda nem está pronto.

Vamos lembrar que as marginais eram para ser o anel viário em torno da cidade em 1970. Como a área do Mercadão da Cantareira vivia congestionada, o Ceagesp foi instalado na Vila Leopoldina, que ficava junto à marginal Pinheiros. O resultado é que em algumas décadas a marginal congestionou mas o Mercadão do centro continuou a existir e congestionar sua região.

Por que? Há coisas na cidade que têm vocação, por várias razões, a começar por tradição. Há milhares de lojas e profissionais instalados na região em torno do Parque D. Pedro, há mais de um século. Eles não sairão de lá para a zona norte, como já não foram para a Vila Leopoldina nos anos 1960/70. Assim como os milhares de profissionais indiretos instalados na zona oeste por causa do Ceagesp também não sairão de lá durante décadas.

Só quem vai lucrar com a mudança do centro de logística para a zona norte são os empresários da construção, que vão ganhar um empreendimento para explorar no norte e uma imensa área para lotear no oeste. Os custos anunciados (R$ 5 bilhões) escondem outros bilhões em investimentos indiretos que ficarão para o poder público (impostos) nos anos seguintes: alargamento de vias para dar conta do trânsito capilar dos caminhões; recapeamento de ruas usadas para trânsito local, que vão receber grandes caminhões; pressão sobre aumento de favelas; demanda de habitação popular, educação e saúde pública maior do que a atual, na área; pressão sobre os custos dos transportes públicos na região com aumento da demanda de uma viagem longa até Perus e de volta. Tudo isso não está na conta, anunciada para a mudança. Quando calcular os custos para um período de 20 anos, os R$ 5 bilhões vão virar R$ 25 bi. Empresários e administradores públicos envolvidos vão comemorar. Quem vai pagar a festa é você.

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Bruno Santos - 25.ago.15/Folhapress
Candidato João Doria diz que quer privatizar corredores de ônibus; imagem mostra via da avenida Eusébio Matoso
Candidato João Doria diz que quer privatizar corredores de ônibus; imagem mostra a Eusébio Matoso

Também é bizarra a ideia, vestida de privatista, de passar as faixas de ônibus da cidade para a iniciativa privada. O plano, anunciado pelo candidato João Doria (PSDB) em sabatina da Folha, simplesmente não faz sentido, dá a impressão de que ele não sabe como funcionam os transportes públicos, que não usa.

Se o candidato estava falando dos ônibus que circulam pelas faixas, revela desinformação: eles já são privados e uma concorrência está aberta à iniciativa privada para a gestão dessa frota (dos veículos e seu fluxo, ritmo, tempo de espera nos pontos, lotação etc.) por qualquer via por onde circulem (sejam ruas, faixas exclusivas ou corredores). Ou seja, a ideia não é nova e já está em processo de licitação.

Caso pensasse no "leito carroçável", passar à iniciativa privada o trecho pavimentado das ruas por onde passam ônibus, trata-se de uma ideia ainda mais estranha. Como entregar a empresas as faixas de ônibus e não o resto da rua (também usado pelos ônibus quando ultrapassam outros, por exemplo); e os corredores de ônibus, mais sofisticados e mais segmentados (mais fáceis de vender, por exemplo)? E o que fazer com as ruas por onde passam ônibus, mas não há faixas exclusivas?

O sistema de transportes públicos é composto de veículos trafegando sobre vias: é tão estranho vender a faixa para uma empresa que não explore ônibus quanto privatizar a parte da rua em que circulam os coletivos e não aquela onde passam carros.

Em outras palavras, trata-se de uma ideia que é como pastel de vento: quando você espreme não sai nada. Mas se sair pode queimar seu nariz.


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