Folha de S. Paulo


Defesa da 'Cidade Limpa' tem dia decisivo na terça

Está marcada para as 11h desta terça-feira (28) uma audiência pública na Câmara Municipal para discussão do projeto da prefeitura que permite publicidade em bancas de jornal, ameaçando a lei "Cidade Limpa", que completa 10 anos.

Uma audiência anterior foi realizada como espetáculo de autocracia: convocada pelo "Diário Oficial" dois fins-de-semana atrás, ocorreu no dia 14 com a presença de apenas dois vereadores e durou 9 minutos. Foi considerada válida e no dia seguinte, levada a primeira votação em plenário, a proposta foi aprovada por 33 votos a 3.

Desta vez, a oposição ao projeto denominado "Banca SP" convoca protesto na sede do Legislativo, que fica no Viaduto Jacareí, 100, Centro, perto da estação Anhangabaú do Metrô.

A proposta enviada pelo prefeito Fernando Haddad se baseia em projeto anterior de seu secretário José Américo, que pretende dar aos donos de banca uma receita a mais para escapar da crise e da queda de circulação de jornais e revistas. No passado, Haddad vetou o projeto de Américo alegando que ele privilegiava uma categoria em detrimento do interesse público. No ano eleitoral, no entanto, o prefeito mudou de opinião e perfilhou a ideia.

São Paulo tem 4,5 mil bancas de jornal, cada uma com três faces externas onde poderiam ser fixados anúncios publicitários. São cerca de 14 mil cartazes possíveis. Para efeito de comparação, todos os anúncios hoje autorizados pela Cidade Limpa –em pontos de ônibus e relógios de rua –são cerca de 4 mil. Em outras palavras, o que seria apenas um acréscimo supera em 3 vezes todo o universo legalizado.

Além disso, a inoportunidade da proposta enviada por Haddad fica clara pela existência, neste mesmo momento, de pelo menos um outro projeto que tramita no Legislativo, com a mesma alegação (tipo "já que"), para permitir publicidade em pontos de táxi.

Não há grande diferença entre o status das bancas de jornal, dos pontos de táxi, das lojas de flores em cemitérios e praças públicas ou dos food trucks; outras cidades permitem anúncios publicitários também junto a placas de nomes de rua e encostos nos bancos de praças.

Se os defensores da Lei Cidade Limpa não evitarem a primeira brecha, o "Banca SP", logo mais todos esses outros espaços serão presenteados por projetos oportunistas de políticos em busca de apoio eleitoral em tempo de crise.

A essência da Cidade Limpa é sua radicalidade, que torna cada cidadão um possível fiscal. A poluição embaça os olhos, as regras complicadas alienam o morador e entregam todo o poder aos fiscais da prefeitura. Como diria um Bismarck redivivo: Se o povo soubesse como são feitas as leis, as salsichas e as fiscalizações

A TIBIEZA, O VÍCIO E A VIRTUDE

Levei alguns dias sem entender o sentido tíbio da carta que o secretário Nunzio Briguglio, da prefeitura, enviou à Folha, a guisa de resposta a meu artigo da semana passada. O conteúdo obscuro do texto pode ser resumido na seguinte informação: a lei atual considera bancas de jornal como mobiliários urbanos. E daí? Nada.

Cabe ao leitor tentar imaginar o que o secretário quis dizer, mas não disse. Talvez fosse: como a lei "Cidade Limpa" permitiu publicidade em mobiliários urbanos, bancas de jornal também poderiam ter anúncios.

Se foi isso, trata-se de uma bobagem Uma cidade pode ter centenas de mobiliários urbanos: relógios de rua, pontos de ônibus, bancas de jornais, bancos de praça, postes, paradas de táxi, jardineiras e etc.

Desse universo, a Lei Cidade Limpa considerou que só dois tipos poderiam ter publicidade, mediante concessão, a partir de concorrência pública e pagamento de taxa. Poderia acontecer o mesmo com todos os outros mobiliários? Poderia, mas não aconteceu. Por que? Para manter uma baixa quantidade de anúncios na cena urbana.

Acabei por concluir: o secretário de Comunicação é contra o projeto "Banca SP" e, assim como o prefeito Haddad, apenas se curva a uma condição para ter o apoio do deputado José Américo, influente no PT e necessário para reaproximar a administração do partido. Como La Rochefoucauld, conclui: a tibieza da carta é uma homenagem que o vício faz à virtude.


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